sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Música Brasileira (?), por Joilson Bergher

Vou logo avisando, não sou músico, crítico ou coisa que o valha, mas não tem como eu não falar, comentar um pouco de música, ainda mais quando a cada momento a gente se depara com personagens que estão por esse Brasil afora, produzindo, criando, propondo coisas interessantes do ponto de vista do engrandecimento do homem e da sua cultura, da liberdade e inventividade...

Afinal, como escreveu Leon Trotski, o Revolucionário Russo, em sua obra Política, ‘Cultura é um fenômeno social e só ela seria o instrumento principal da opressão de classe. Mas também a cultura, e apenas ela, pode tornar-se um instrumento da emancipação socialista’. Fazendo um paralelo, me reporto à Professora Mara Aquino, musicista e pesquisadora dessa seara chamada música.

Pois bem, há uma entrevista dela no Jornal Brasil de Fato, edição de 04 a 10 de Outubro, 2007, onde com muita propriedade, ela faz um ‘revival’ da diversidade musical brasileira, então para além do arrocha que vai até uma baixa qualidade do forró cheio de sintetizadores, até por que estão aposentando a velha sanfona cansada de guerra... Ela, a professora nos remete à música dos crioulos, os batuques, os pré-sambas, como o Lundu, samba-de-roda, partido alto, jongo, coco, tambor de crioula, maracatu, choro... Assim se percebe o quanto a música produzida e preconizada no Brasil fora do eixo corporativo da grande mídia tem muito da mistura da música portuguesa, indígena e africana, produzindo uma grande variedade de estilos. Entendo sim que o que falta principalmente na velha Bahia cansada de guerra é pesquisar e compartilhar a musicalidade negra percorrendo, imbricando, retraçando caminhos no espaço e tempo.

Acho que isso não é um árduo trabalho, na verdade o que precisa é separar o que a professora chama de joio e de trigo. Aqui o que se produz não cabe somente numa peneira da mídia comprometida apenas com a audiência a qualquer preço. Observe, o músico ‘Candeia há quase quarenta anos dizia que quando o negro tomasse consciência de sua cultura ele seria um rei. Nem precisaria ficar macaqueando os negros americanos, pois saberia da riqueza de suas raízes, mais criativas e mais combativas que as do próprio negro norte-americano.

Os negros brasileiros conseguiram manter para outras gerações suas crenças, sua ginga, suas músicas, seu batuque, suas danças, foram mais fortes e mais resistentes que os negros da América. Mas hoje olhamos para os nossos irmãos do Norte com inveja, como se tivéssemos mais a aprender com eles do que eles com nossa resistência. Eles tiveram o Black is Beautiful, lutaram na Guerra da Secessão, o belíssimo Jazz e movimentos de consciência que influenciaram irmãos por todo o mundo. E nós? Nós tivemos os quilombos, as repúblicas negras, as guerras contra a dominação branca. A resistência nos terreiros, a insubmissão. A dança, a manutenção da religião, a música, as crenças, a disseminação da cultura para toda a sociedade branca.

Nós temos o samba, tão belo quanto o jazz e muito mais rico e belo que o rap’, Penso ser extremamente complicado ver um negro afro-brasileiro tentar protestar cantando rap, imitando o americano ou o europeu, tentando fazer graças a um amo que não lhe dá a mínima importância... Quando falo em resistência preta, quero retratar não a belle epoque de France (?), mas as modulações imprevistas do maxixe lundu, tangos, o cateretê ou a catira de Luiz Wagner lá dos pampas, os primeiros choros de Patápio Silva, Chiquinha Gonzaga, Candeia e o batuque do quilombo Norte mineiro de que nos fala a professora Mara Aquino, de forma extremamente apaixonada!

Certamente a herança africana em nossa música afro-brasileira, está muita bem definida, ouça Jerônimo, Lazzo Matumbi ou ainda Edson Gomes só para citar alguns e perceba a África no nosso meio, bem perto de nós. Termino essa assertiva citando um cara propositivo, muito louco, chamado Tim Maia que escolheu um livro único como o responsável pelo seu bom senso. Já senti saudade/Já fiz muita coisa errada/Já pedi ajuda/Já dormi na rua/Mas lendo, atingi o bom senso/A imunização racional...” No final da gravação ele diz, em tom bem sério: “Leia o livro `Universo em Desencanto´.
Então tome coragem e leia!

Joilson Berguer é Professor de História em Brumado, Bahia. Especialista em Metodologia do Conhecimento Científico, Militante e Pesquisador Independente do Negro no Brasil

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Paquistão: ataque mata ex-premiê Benazir Bhutto

A líder oposicionista paquistanesa Benazir Bhutto morreu hoje após um ataque suicida durante um comício na cidade de Rawalpindi. Além de Bhutto, outras 25 pessoas teriam morrido na explosão, nos subúrbios da capital do país, Islamabad. "Foi um atentado. Não sabemos ainda o número certo de vítimas. O suicida se explodiu quando as pessoas estavam se dispersando depois da manifestação de Bhutto", afirmou o porta-voz do ministro, Javad Iqbal Cheema.

Um segurança do partido de Buttho informou que ela foi atingida por tiros no pescoço e no peito. Depois, o atirador teria acionado um explosivo. "Ela foi martirizada", chegou a dizer o representante partidário Rehman Malik.

No momento em que a morte de Buttho foi confirmada, partidários que aguardavam em frente ao hospital gritavam "cachorro". Alguns quebraram a porta de vidro da unidade de emergência, enquanto outros começaram a chorar.

Trajetória

Bhutto foi duas vezes primeira-ministra do Paquistão. Aos 35 anos, ela foi a primeira mulher e a mais nova a ocupar um cargo de chefia no Estado mulçumano moderno. Benazir nasceu em 21 de junho de 1953, em Karachi.
Benazir se tornou chefe do governo do Paquistão após assumir o cargo político de seu pai, Zulfikar Ali Bhutto. Ele foi primeiro-ministro na década de 1970 e foi executado pelo ditador general Zia ul Haq.
Premiê em 1988 e 1993, Benazir acabou deixando o Paquistão anos depois em meio a

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Morre Oscar Peterson, um dos gênios do jazz

Morreu neste domingo (24) em Toronto, de insuficiência renal, o pianista e compositor de jazz canadense Oscar Peterson, um dos grandes nomes da música do século XX. Morto aos 82 anos, um dos nomes mais importantes do jazz, Oscar Peterson nasceu em Montreal em 15 de agosto de 1925 de uma família modesta, de origem antilhana. Teve de vencer dificuldades financeiras no começo da carreira, em 1943, quando se tornou o primeiro músico negro de uma orquestra de baile popular na metrópole de Québec.

Seis anos depois, sua carreira ganharia impulso definitivo, com a ajuda do empresário e entusiasta norte-americano Norman Granz. Em 1949, Granz apresentou-o nos Estados Unidos como convidado surpresa da orquestra Jazz at the Philharmonic, com os maiores músicos americanos, em um concerto no Carnegie Hall de Nova York. Então com 24 anos, Peterson provocou frisson na audiência, e deu início a uma bem sucedida carreira internacional.

A partir dali, ele tocaria ao lado de outros grandes nomes da música americana, como Roy Eldridge, Stan Getz, Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Joe Pass, Ben Webster e Lester Young. Peterson realizou também turnês pela Europa – em algumas, teve a companhia da cantora Ella Fitzgerald. Pianista versátil e criativo, Peterson deixa importantes contribuições para o jazz em seus mais variados estilos, do bebop ao boogie woogie.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Cidade do Cabo: um misto de África e Europa

Como todas as cidades da África do Sul, a Cidade do Cabo é ambivalente - europeia sem ser europeia, africana sem ser africana, uma mistura de primeiro e terceiro mundos. Mas que é uma das cidades mais belas do mundo, sobre isso não restam dúvidas. Mesmo o visitante de passagem acabará por reservar algumas centenas de células da sua capacidade cerebral para guardar imagens desta cidade, das suas montanhas e do mar.

A Cidade do Cabo, a colonização mais antiga da África do Sul, é dominada pela montanha da Mesa, cujo cume plano se ergue no alto dos seus mil metros. Poderá fazer maravilhosos passeios pelas montanhas, vinhedos e praias sem qualquer dificuldade. Tem fama de ser a cidade com o espírito mais aberto e o ambiente mais descontraído da África do Sul e talvez a cidade de África mais segura para os turistas.

O centro da cidade, situado a norte da montanha da Mesa, é surpreendentemente pequeno. A Baixa, muitas vezes designada por City Bowl, concentra grande parte dos pontos de interesse da Cidade do Cabo. O Castelo da Boa Esperança, construído entre 1666 e 1679, é uma das edificações europeias mais antigas da África Austral. O Museu Sul-Africano é um belo edifício antigo com armários e armários cheios de animais embalsamados e dioramas de dinossauros sedentos de sangue. Na secção dedicada às culturas indígenas poderá ver reproduções extraordinariamente fiéis de comunidades san (boximanes).

O Six District Museum é um local muito mais simples, dedicado aos residentes desta antiga comunidade tão efervescente no plano cultural e que entretanto foi demolida. O Victoria and Alfred Waterfront (passeio marítimo) fica para norte do centro da cidade. Esta zona está ostensivamente vocacionada para o turismo, apesar de conseguir evitar o irrealismo vazio de outros projectos de requalificação das áreas portuárias. Tem um ambiente bem conseguido, é interessante e encerra uma profusão de restaurantes, bares, locais com música ao vivo e lojas. Recentemente foi construído um óptimo aquário. A animação prolonga-se pela noite fora, por isso qualquer hora é boa para fazer uma visita.

O teleférico da montanha da Mesa é uma atracção tão óbvia e popular que poderá sentir dificuldade em se convencer de que vale a pena a deslocação e a despesa. Vale a pena. Em dias claros, a vista do topo é fantástica e o cume oferece excelentes passeios, sobretudo na Primavera, quandas as plantas estão em flor. É também o habitat do dassie das rochas, esse curioso mamífero com aspecto de roedor, cujo parente vivo mais próximo é o elefante. Os Jardins Botânicos de Kirtenbosch, na encosta oriental da montanha da Mesa, são dos mais belos do mundo e quase exclusivamente dedicados a plantas indígenas. Recomenda-se vivamente uma viagem à ilha de Robben (ou Seal): prisão política antes da democracia, o seu recluso mais famoso foi Nelson Mandela.

O City Bowl é um bom local para escolher hospedarias, pensões e hotéis. Sea Point, à beira do oceano Atlântico, a ocidente do centro, é outro bom lugar para ficar. O Observatory é um bairro agradável, popular entre os estudantes. Fica a leste do centro e um pouco fora de mão, mas oferece alojamento a preços módicos. Também não é um mau sítio para comer se se cansar do brilho e das luzes do Waterfront.

Fonte:
http://pt.livra.com/

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Na África, a grande recuperação demográfica

Jean-Pierre Tuquoi

De origem belga, John May é "o" demógrafo especializado na África do Banco Mundial. Jean-Pierre Guengant é o diretor de pesquisas no Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD em francês). Ele é o responsável do centro do IRD em Uagadugu, no Burkina Faso. Eles fazem um panorama da população da África atual na entrevista a seguir.

Le Monde - A população segue crescendo muito rapidamente na África subsaariana, ao passo que ela está em vias de estabilização em todos os outros lugares no mundo. Será que existe uma exceção africana?

John May - A África é um continente que ainda não iniciou verdadeiramente a última parte da sua transição demográfica: a diminuição da fecundidade - o número de filhos por mulher - ainda não ocorreu. Isso explica este forte crescimento demográfico que deverá prosseguir no decorrer do século 21. Atualmente, a África subsaariana representa 12% da população mundial. Em meados deste século, ela representará 19%, ou seja, cerca de 2 bilhões de habitantes, contra 760 milhões hoje.

Jean-Pierre Guengant - As evoluções demográficas na África se caracterizam por estarem defasadas em relação ao restante do mundo. Historicamente, foram apontados dois choques de maior importância para o continente negro: a escravidão e a colonização. Os especialistas explicam que entre 1500 e 1900, grosso modo, a população da África praticamente não aumentou. Alguns autores avaliam até mesmo que ela diminuiu, ao passo que a população mundial havia se multiplicado por 3,5 e a China, da mesma forma que a Europa, por 5.

Portanto, o peso relativo da África subsaariana em relação à população mundial diminuiu até que uma recuperação fosse iniciada. Esta se revela fenomenal. É importante saber que no século 20, a população do continente negro foi multiplicada por 7. Isso nunca havia acontecido em nenhum outro lugar do mundo! E o processo não acabou. Ela continua crescendo com uma taxa da ordem de 2,5% por ano, ou seja, duas vezes mais rapidamente do que no restante do mundo em desenvolvimento. É também na África subsaariana que são encontrados praticamente todos os países - cerca de trinta - que apresentam uma fecundidade muito importante, com mais de 5 filhos por mulher.

Le Monde - A expansão demográfica obedeceria, portanto, a um fenômeno de recuperação?

Guengant - É provável, mas as evoluções demográficas que têm sido observadas nos últimos trinta anos no mundo nos incitam à prudência. Por muito tempo, os demógrafos acreditaram, por exemplo, que a queda da taxa de mortalidade era um fenômeno irreversível. Ora, a evolução que foi verificada na ex-União Soviética e, é claro, na África subsaariana mostrou que esta tendência não é automática. Em outros lugares, diversas reduções de fecundidade que já estavam bastante avançadas acusaram uma pausa que surpreendeu todo mundo. Ninguém havia previsto tampouco que a fecundidade se manteria de maneira duradoura abaixo de dois filhos por mulher na maioria dos países desenvolvidos.

John May - Está havendo uma recuperação também porque a África subsaariana viveu por muito tempo em meio a um clima de displicência, de desinteresse no que se refere às questões demográficas. Durante os anos 1960-1970, quando os países latino-americanos e asiáticos começavam a conduzir políticas de moderação demográfica, a África se recusava a segui-las por razões ao mesmo tempo culturais e ideológicas. Na Jamaica, o governo lançou o slogan "Dois filhos é melhor do que filhos em excesso"; em Bangladesh, a palavra de ordem era: "Uma família pouco numerosa é uma família feliz". Mas tais campanhas nunca aconteceram na África - nem no Magreb (países do norte do continente), com exceção da Tunísia. No momento em que 60% das mulheres na Ásia e na América Latina utilizam um método moderno de contracepção, menos de 10% o utilizam na África do Oeste e na África Central, e 20% na África do Leste.

Por todo lugar na África, estamos vendo atualmente campanhas de prevenção contra a Aids. Mas muito pouco tem sido feito em relação ao planejamento familiar, isto é, no que diz respeito ao intervalo entre os nascimentos e ao controle do tamanho das famílias. O que explica esta situação de defasagem, com uma transição da fecundidade que está demorando a acontecer. Na África subsaariana, duas pessoas em cada três têm menos de 25 anos. Em nenhum outro lugar do mundo esta situação é encontrada. Na China, as pessoas com menos de 25 anos representam apenas 40% da população, e 30% na Europa.

Le Monde - A fraqueza política dos Estados africanos não explicaria, ao menos em parte, o fracasso das políticas demográficas?

Guengant - Sim, de fato é difícil conduzir políticas fortes em Estados fracos. É por isso que alguns andaram tentando encontrar outros meios de ação, de modo a evitar que as elites conduzam o tema do planejamento familiar. Muitos são aqueles que lidam com a população no terreno, nos mercados...

Le Monde - Muito se fala dos Estados africanos incapazes de conduzir políticas demográficas responsáveis. Um país como o Niger, por exemplo, será que ele pode, sem correr riscos, ver a sua população aumentar indefinidamente?

John May - De fato, a população do Niger poderia passar de 15 milhões atualmente para mais de 50 milhões daqui a cerca de quarenta anos. É sempre possível sonhar que o Niger se tornará um dia um centro financeiro internacional ou um grande pólo tecnológico, mas se excluirmos este tipo de milagre, eu não creio que a situação atual seja sustentável no longo prazo. A superfície do Niger é duas vezes superior à da França, mas 15% das terras apenas são cultiváveis. Além disso, já é um país com excesso de população. O seu governo tomou consciência disso recentemente.

Le Monde - Há uma idéia muito difundida de que a África é um continente muito vasto e sub-povoado.

Guengant - Era verdade no passado; mas deixou de ser. Em 1900, a África contava 4 habitantes por km2. Atualmente, a densidade é de 32 habitantes por km2 para a África subsaariana. Isto é superior à média do conjunto formado pela América Latina e o Caribe (28) e quatro vezes inferior à média do conjunto da Ásia (128), onde as condições geográficas são mais favoráveis para fortes densidades. Se você levar em conta as densidades a partir das superfícies de terras aráveis e cultiváveis, acabará encontrando resultados inacreditáveis: a Mauritânia passa de uma densidade de 3 para 529 habitantes por km2; Senegal, de 48 para 391; a Somália, de 14 para 817...

John May - Eu gostaria de ponderar esta análise dizendo que a África subsaariana permanece sub-povoada em certas regiões, mas que ela está se povoando rápido demais. Ela não está em condições para garantir "os investimentos demográficos" dos quais falava o demógrafo Alfred Sauvy (1898-1990), quer se trate de infra-estruturas, de educação, de saúde... Se você dirige um país onde a população é muito jovem, onde há uma fecundidade forte e uma mortalidade em diminuição, você provavelmente irá enfrentar graves problemas.

Le Monde - Não teríamos desde já uma noção prévia desses problemas com o crescimento urbano na África?

Guengant - Em 1950, não havia nenhuma cidade com mais de 1 milhão de habitantes na África negra. Em 1960, havia uma única cidade com este perfil: Johannesburgo (África do Sul). Atualmente, existem cerca de quarenta. No espaço de meio século, a população urbana se multiplicou por 11, mesmo se as megalópoles africanas permanecem menores que aquelas da América Latina ou da Ásia. Lagos, na Nigéria, é a única cidade africana que conta mais de 10 milhões de habitantes.

A África subsaariana continua sendo a região menos urbanizada no mundo, com uma taxa por volta de 35%. Contudo, até 2030 mais da metade da população viverá em cidades, em três países africanos em cada quatro. As infra-estruturas serão o principal problema. Estudos recentes mostram que a pobreza está aumentando em meio urbano, ao passo que anteriormente, esta era uma característica do meio rural. A cidade deixou de ser aquele elevador social que permitia ter acesso à educação, a um emprego. Ela tornou-se uma fonte de preocupação para o futuro.

Le Monde - No que se refere à questão da Aids, já faz alguns anos, os observadores mencionavam uma possível diminuição da população na África subsaariana, por causa da pandemia. Este discurso ainda estaria valendo na atualidade?

Guengant - Não, mesmo se a África concentra os dois terços das pessoas infectadas no mundo pelo vírus, e mais de 70% dos óbitos devido a esta doença. A taxa de prevalência - o número de pessoas infectadas pelo vírus - revela-se bem mais reduzida do que se previa. Em 2001, os pesquisadores estimavam, com base em consultas nos centros de saúde, que 9% da população africana estava infectada pela Aids. A mais recente avaliação, efetuada em 2006, apurou uma taxa de 6%, ou seja, uma diminuição de um terço. Além disso, uma dezena de países apresenta uma prevalência superior a 10%: cinco países da África Austral e quatro da África do Leste. Há três ou quatro anos, não mais, muitos pensavam que a população da África Austral iria diminuir por causa da pandemia. Atualmente, sabemos que o crescimento demográfico nesta região verá o seu ritmo diminuir, mas nenhum desses países, repito, nenhum desses países deverá ver a sua população diminuir. Não existe nenhum genocídio pela Aids. O impacto demográfico da pandemia foi avaliado de maneira exagerada.

John May - É preciso reconhecer que os programas que foram implantados tiveram uma eficiência real. As campanhas de informação, que colocaram preservativos à disposição das populações, deram bons resultados, mesmo se a ameaça persiste.

Le Monde - Estamos assistindo a uma explosão dos investimentos chineses e indianos na África. Será que os fluxos humanos irão acompanhar esta tendência?

Guengant - Existem 200 milhões de migrantes internacionais em todo o mundo. As mais importantes diásporas são chinesas, indianas e filipinas, mas é nos países do Norte, sobretudo, que elas se instalam, porque é nesses países que a promoção social é mais fácil. As migrações africanas rumo ao Norte, por sua vez, permanecem pouco importante, mesmo se certos discursos xenófobos tentam nos convencer do contrário. Comerciantes chineses se instalam na África subsaariana com mulheres e filhos. Por enquanto, o fenômeno permanece marginal. Em certos países da África do Leste, estão surgindo tensões entre imigrantes e as populações autóctones. É difícil afirmar até que ponto isso irá continuar.

Tradução: Jean-Yves de Neufville
Fonte: Le Monde

Norton Nascimento morre aos 45 anos

O ator Norton Nascimento, 45, morreu às 8h20 desta sexta-feira (21) no Hospital Beneficiência Portuguesa, em São Paulo, onde estava internado na UTI. A assessoria de imprensa do hospital ainda não divulgou maiores detalhes sobre a morte.

Em 2003, o ator fez um transplante de coração para curar um aneurisma, ficando por um período de 6 meses em recuperação. Entre os trabalhos do ator estão as novelas "Fera Ferida", "A Próxima Vítima" e "A Padroeira", da TV Globo.

Norton Nascimento nasceu na cidade de Belém (PA), no dia 4 de janeiro de 1962. O último trabalho dele na TV foi na novela "Maria Esperança", do SBT, na qual interpretou o personagem Nocaute.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A transição cubana: Fidel Castro abre a porta para o rodízio de gerações

Mauricio Vicent, em Havana

Cuba vive momentos excepcionais. De definições. E bastaram algumas palavras de Fidel Castro no sentido de que não será um tampão sobre os dirigentes mais jovens para que novamente o dilema de sua sucessão ganhe força e mais ainda o debate crucial sobre que mudanças são necessárias introduzir no modelo socialista cubano. Se Fidel se aposenta ou não é relevante; mas mais importante é a forma como o "Comandante" acompanhará as mudanças inevitáveis. A sensação é de que o futuro do país está em jogo: o que é vital, afirmam cada vez mais vozes dentro do sistema, é a urgência de abrir caminho para as transformações que a sociedade exige.
Aos 81 anos, e depois de 16 meses de convalescença, Fidel Castro se destacou na terça-feira com uma frase inesperada ao final de uma carta lida durante o programa de televisão "Mesa Redonda", dedicado ao tema "Cuba: direitos humanos, mudança climática e solidariedade". Depois de refletir sobre assuntos tão díspares, quase ao fim de sua missiva o líder comunista afirma: "Meu dever elementar não é me apegar a cargos nem muito menos obstruir a passagem de pessoas mais jovens, mas aportar experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional que me coube viver".

No momento tão especial que vive Cuba, suas declarações não passaram despercebidas. A recuperação do presidente, que não aparece em público desde que delegou todos os poderes a seu irmão, Raúl Castro, em julho de 2006, continua sendo uma incógnita, embora nos últimos tempos vários de seus colaboradores tenham declarado que sua reabilitação avança e que ele poderia ser perfeitamente reeleito em seu cargo por mais cinco anos.

No início de dezembro Fidel Castro foi proposto como candidato a deputado nas eleições ao Parlamento que se realizarão em 20 de janeiro. Estas desembocarão na constituição de uma nova Assembléia Nacional antes de 5 de março, que deverá eleger entre seus membros o presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, cargos que até agora sempre foram ocupados por Fidel.

Na opinião de vários analistas, as últimas palavras do líder cubano, nas quais pela primeira vez deixa abertas as portas para sua sucessão definitiva, não são relevantes só por isso, mas porque se inscrevem em um contexto geral de mudança no país. Nos últimos meses milhões de cubanos participaram de um grande debate nacional promovido pelo presidente interino, Raúl Castro, sobre a necessidade de introduzir "mudanças estruturais e conceituais" no sistema para que a revolução sobreviva. O debate demonstrou com clareza que a sociedade reclama transformações profundas, econômicas e sociais, mas também políticas, e quanto antes melhor.

A TRANSIÇÃO CUBANA

OPOSIÇÃO QUER FATOS Cada vez com mais força, os apelos por mudanças e o debate se fazem ouvir inclusive nas próprias estruturas oficiais. Figuras destacadas do Partido Comunista, como o responsável por cultura do Comitê Central, Eliades Acosta, ou o histórico Alfredo Guevara, presidente do Festival do Novo Cinema Latino-Americano, convocaram seus compatriotas a evitar o "pensamento único" e a "repensar" entre todos a revolução cubana.
"Há muitos problemas, materiais, de salário, de direito, que são como luzes vermelhas que nos indicam a necessidade de mudanças", disse Acosta em uma entrevista recente, na qual reivindicou lutar por uma sociedade que "fale de seus problemas em voz alta, sem temor, na qual os meios de comunicação reflitam a vida sem triunfalismo, na qual os erros sejam ventilados publicamente para buscar soluções". Da mesma forma, Guevara e outros como ele identificam o "imobilismo" como o pior câncer que pode corroer a revolução e convocam a livrar o país de "aderências indesejáveis, e fazê-lo até a raiz".

Em meio a esse debate, não isento de tensões e de forças centrífugas como a derrota de Hugo Chávez no referendo de 2 de dezembro passado - que deixou claro em Cuba que não se pode depender de fatores externos e que agora mais que nunca a ilha deve empreender reformas -, a última mensagem de Fidel Castro abriu expectativas. "Minha mais profunda convicção é que as respostas para os problemas atuais da sociedade cubana (...) exigem mais variantes de resposta para cada problema concreto do que as contidas em um tabuleiro de xadrez", disse o mandatário.

Em outro fragmento da carta, no qual, com sua linguagem singular, parece dizer que está plenamente consciente do desafio que seu país enfrenta, Castro afirma que "nenhum detalhe pode ser ignorado, e não se trata de um caminho fácil, se é que a inteligência do ser humano em uma sociedade revolucionária deve prevalecer sobre seus instintos". Se 2008, como asseguram os analistas, será um ano decisivo para a revolução cubana, marcado pelas mudanças, ninguém duvida de que Castro será protagonista, quer se aposente quer não.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: http://www.elpais.com/

Rastros, Pegadas de Mulher

As pinturas murais das mulheres kassenas de Burkina Faso, perto da fronteira com Gana, são famosas pela beleza do traçado e pela harmonia de cor. Interessada no assunto, Katy Léna Ndiaye escolhe comparar tradição e modernidade, através do retrato de três anciãs e da "neta" que elas iniciam nas técnicas ancestrais.

Ela realiza um filme com maestria estética, verdadeiro retrato de uma comunidade artística, por onde se discute a transmissão de ensinamentos, a educação e a memória numa África em mutação.

Traces, Empreintes de Femmes (França/Bélgica/Burkina Faso/Senegal, 2003).Documentário de Katy Léna Ndiaye, em preto e branco. Duração 52’

Fonte: http://www.cinefrance.com.br/cinemateca/colecoes

domingo, 16 de dezembro de 2007

Fontes cruciais para a História de África estão em Portugal

A afirmação é do autor de 2 volumes sobre evolução do continente negro


"Portugal é provavelmente o país onde estão as fontes mais importantes para a História de África", confessa Elikia M'Bokolo, o historiador francês de origem congolesa director na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. M'Bokolo falava ao DN após o lançamento em Português do 2.º volume da História de África, o grande projecto da sua vida.

Em curtas declarações, o historiador dá o exemplo "dos dez volumes da Monumenta Missionária Africana, de António Brásio (1958- -68), que até hoje não foram verdadeiramente estudados". Cita documentos redigidos em Português desde o século XV "que permitem a datação exacta dos factos em África, onde as fontes orais e a arqueologia só dão datas aproximadas". Porque, pormenoriza, "há países de que pouco se sabe porque não há documentos escritos e, devido ao clima, as fontes materiais desapareceram".

A elaboração da História de África, concebida nos anos 60, amadurecida nos 80 e escrita nos 90, surgiu porque "não havia uma obra completa e sintética com uma abordagem moderna e interdisciplinar da História da África Negra". Produtor desde 1963 de um programa de rádio internacional participado por imigrantes, M' Bokolo sentiu, também ali, a necessidade de esta comunidade se rever num passado credível. Mas M' Bokolo tem grande esperança no futuro, defendendo que a "renascença africana" acontecerá com as novas gerações.

Sem ideias feitas

Tradutora do 2.º volume, a historiadora Isabel Castro Henriques considera que esta obra significa "um momento fundamental da história da construção da historiografia africana que vem pôr de lado uma série de ideias feitas, fazendo a síntese necessária dos trabalhos que se foram publicando a partir dos anos 70, com recurso a áreas como a linguística, sociologia ou antropologia". Em sua opinião, é "a melhor história de África publicada, que se centra nos africanos e não na velha questão dos africanos contra qualquer coisa..." Também Alfredo Margarido, historiador que o Estado Novo rotulou de "maldito" e expulsou das colónias, classificou M' Blokolo de historiador "absolutamente excepcional" que "interverteu os ponteiros do relógio da história", porque esta, ao longo dos séculos, "diabolizou os negros" e ignorou que antes de chegarem os europeus "havia História em África".

Fonte: Folha de S. Paulo

Djavan preserva marcas autorais em “Matizes”

Há autores cuja marca autoral (desculpem a redundância) é tão evidente que tudo em torno soa “autoral”. Em Djavan, a música é autoral, a letra é autoral, o canto é autoral, isso é evidente. Mas autorais também são os arranjos.

Autoral também é a banda, sempre a mesma em todas as faixas, íntima do autor a não mais poder e não só por conter dois de seus filhos, o guitarrista Max e o baterista João Viana, mas por acompanhá-lo show a show há quase uma década. A banda, quase que como uma extensão do violão e sobretudo das idéias musicais de Djavan, é básica no baixo de Sérgio Carvalho, no piano de Renato Fonseca e colorida pelo naipe de sopros formado por alguns dos melhores solistas do país, o niteroiense Marcelo Martins (saxofone tenor e flauta) e os paulistas Walmir Gil (trompetes) e François Lima (trombone). O violão e a guitarra de Djavan são onipresentes, mas não mais djavânicos que o resto da banda. O som é único, puro Djavan, burilado no dia-a-dia e no estúdio profissional que o autor montou e mantém em casa. Ou seja, até o estúdio é autoral.

“Matizes”, décimo oitavo disco de Djavan, é, como se vê, o mais radicalmente autoral de todos e não apenas por conter exclusivamente 12 novas canções autorais. Até a gravadora é autoral, a Luanda Records, em seu terceiro lançamento. E mesmo a capa, quadrados à Mondrian, que vão sutilmente mudando de cor, busca revelar a intenção (e desculpem a redundância de novo) autoral do autor: revelar uma única expressão musical, tão característica, em seus diversos “matizes”.
Djavan é autor ambicioso desde que se lançou autor em 1976 a bordo de mega-sucessos como “Fato consumado” e “Flor-de-lís”, sambas diferentões que embasbacaram o meio musical brasileiro, e já com larga experiência adquirida em boates cariocas e nos estúdios onde emprestava a voz para temas de novela. Agora, mais do que mais um disco autoral, Djavan decanta em “Matizes” as várias tonalidades de sua vasta obra. Trata-se de um painel.

“Joaninha”, por radicalmente djavânica, é a canção ideal para se começar tal painel autoral. É um “instant classic”, canção típica do autor de “Açaí” e “Oceano”: harmonia complexa, melodia original, sonoridade estranha (que vai do clima de uma balada romântica às curvas angulosas de uma canção mourisca, do naipe de sopros jazzístico à guitarra de rock clássico, tudo cheio de variações rítmicas) de resultado misterioso e encantador. A letra, uma sofisticada reflexão pessoal, uma parada para pensar, é composta de imagens poéticas tão típicas de Djavan (e que somente ele parece conseguir fazer), repleta de metáforas cromáticas e inspiradas na natureza: “Bem quando a luz do cacto/Reflete ao sol altivo/A chuva rompe o pacto/Inundando a tarde quente/E o prazer que sente a joaninha/Quando anda pela flor/Ganha um quê de sacrifício e dor”.

No painel da criatividade de Djavan não poderia faltar o samba, matriz musical de qualquer autor brasileiro que se preze. E aí há uma das melhores notícias para os fãs do compositor: Djavan voltou a se dedicar ao samba. A própria faixa-título, “Matizes”, é uma daquelas incursões de Djavan pelo gênero-mãe da música urbana brasileira, um samba ao mesmo tempo delicioso, comunicativo, fácil de gostar mas altamente pessoal. A harmonia é levada pela guitarra de Max Viana emulando um cavaquinho. Aquela parte em que ele canta, “Ficamos sós/Perdi a voz /Você sorriu/Foi quando eu ri também/Pensei que morreria”, vai fazer com que esse samba entre nas antologias e no repertório dos jovens grupos de samba espalhados pelo país.

“Delírio dos mortais” é outro samba, um samba-exaltação ao Rio, um samba de malandro feito à medida para as gafieiras da cidade. O autor alagoano presta pela primeira vez um tributo à cidade que escolheu para viver. Mas não poderia deixar de imprimir sua marca... autoral: “Pra delírio dos mortais/Pedras monumentais/Combinaram aqui/Um encontro colossal”.

É samba também “Imposto”, mas um tipo de samba novo, inventando aqui por Djavan: a “bossa nova de protesto”. E o autor protesta, de forma clara, direta, contra a carga fiscal abusiva, contra a corrupção, contra os péssimos serviços prestados pelo Estado, pela impotência do cidadão comum.

“Azedo e amargo” é também um samba, só que meio disfarçado, de harmonia rica, melodia típica e cheio de quebradas rítmicas. Como “Joaninha”, outro “instant classic” tipo “Oceano”. Trata-se de uma declaração de amor a uma moça agridoce, que “Se ela fosse planta seria/A comigo-ninguém-pode”.

Mas nem só de sambas de vários matizes vive o “Matizes” de Djavan. Há desde um misto de bolero e son cubano bem latino e dançante como “Louça fina” a um típico “blues do Djavan” (como certa vez definiu Caetano Veloso), “Desandou”. A balada “Por uma vida em paz” também tem clima “jazzy”, próximo da grande canção americana, para falar de questões universais na belíssima letra: “Não sei bem o que dizer /Sobre o mal na terra:/Acho que o amor hesitou”.

Há também aquele tipo de canção tipicamente djavânicas que as rádios e as platéias dificilmente resistem. E é impressionante como ele as compõem aos borbotões. É o caso de “Fera”, de “Pedra” e de “Adorava me ver como seu”. Este trio de canções típicas mostra a síntese musical achada por Djavan, mostra como a banda está afiada e traduz o seu universo autoral, e mostra como ele desenvolveu um discurso musical e amoroso próprio. Senão, vejam a letra de “Pedra”: “Amor, me perco em lágrimas/Não mais a vi, desde abril, fui pro mar/E você lá deitada na pedra/Que inveja dessa pedra”.

Dos sambas ao blues, das baladas aos boleros, de canções inventivas (como a bossa nova de protesto) às canções típicas, “Matizes” matiza as tonalidades de uma obra em plena maturidade. Djavan é um artista que achou sua expressão mais pura. E ela está aqui.

Hugo Sukman

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Cê vê tudo ao contrário

*Edson Lopes Cardoso
Na canção “O Herói”, do disco Cê, Caetano Veloso retoma o principal argumento do manifesto contra as cotas, que leva também sua assinatura. O argumento quer nos convencer de que por imitação de outra realidade (o comparante é sempre os Estados Unidos), os negros brasileiros dedicam-se a estimular e promover o ódio racial.O argumento não é original, nem na canção nem no manifesto, e apenas atualiza velhos estigmas que nos acompanham desde tempos coloniais: raça inferior, intelectual e moralmente, criminosos em potencial e avessos ao progresso e à civilização.
A um só tempo, os adversários das políticas públicas voltadas para a população negra declaram seu “horror” às desigualdades e nos acusam de cometer um “equívoco elementar”: a importação arbitrária de traços muito particulares dos EUA. E, por esta via, da importação inadequada de singularidades repulsivas, estaríamos insuflando o ódio racial numa sociedade, como disse o ministro Gil em sua posse em 2003, “de caráter essencialmente mestiço e sincrético”.Na letra da canção “O Herói”, a primeira opção do favelado, o caminho inicial que ele descortina é “fomentar aqui o ódio racial/a separação nítida das raças”.
Em sua odi(o)sséia, nosso herói mulato quer ser tudo o que ele não é: “quero ser negro 100%, americano,/sul-africano, tudo menos o santo/que a brisa do brasil briga e balança” (É preciso fingir aqui que não sabemos ser a favela uma demarcação com rígido recorte racial, certo?).Mas o resultado da autoconstrução odiosa é, finalmente, repudiado pelo nosso herói, que não se reconhece nessa indumentária postiça, que lhe subtraiu a boa índole sincrética, e, numa daquelas metamorfoses dignas de Macunaíma, decide-se em grande êxtase por assumir o peso da tradição ideológica.
Transformado quase em camelo nietzschiano, sai gemendo sua dor, queixando-se a Deus: “eu sou o homem cordial/que vim para instaurar a democracia racial/eu sou o herói/só deus e eu sabemos como dói”.É fundamental não perder de vista que a acusação repetida, que nos atribui o “ódio racial”, se faz contra um pano de fundo do qual se destacam o protesto negro e a luta pelo acesso a recursos públicos e políticas públicas que conduzam à superação das desigualdades raciais. Como encobrir essa orientação conservadora? Vejam bem, trata-se de negar uma afirmação – a da existência do racismo, da opressão racial e de práticas de discriminação racial - , que desnuda os privilégios da cidadania usufruídos pelos brancos.
A negação de Caetano, Kamel e outros só poderia tomar mesmo um caminho: descolar-se do real, a que opõem a sublimação de nossas relações raciais, idealizadas em sua máxima potência de quase delírio, a ocultação ou a distorção de fatos objetivos e a projeção de todo o mal nos Estados Unidos. Estranhamente, porém, nosso ódio produz quase que exclusivamente vítimas negras, aos borbotões. Na polêmica sobre o “apartheid” do carnaval baiano, levantada mais uma vez por Carlinhos Brown, Caetano usou os mesmos argumentos presentes na canção “O Herói” para desqualificar as críticas de Brown, associando-as a sugestões de subalternidade intelectual e desvios patológicos. O debate sobre segregação é recorrente no carnaval baiano, instigado por camarotes, cordas e muita porrada nos negros. Os blocos afros e afoxés são também marginais nos circuitos.
Quem brilha nos horários de visibilidade televisiva e grande afluência de público são, como se sabe, aqueles aquinhoados, ano após ano, com os convênios da Bahiatursa, sem que se esclareçam os critérios estabelecidos para premiar entidades carnavalescas inadimplentes. Ao longo dos últimos anos não foram poucas as auditorias de técnicos do Tribunal de Contas do Estado engavetadas por conselheiros subservientes. Os privilégios racistas, profundamente enraizados em nossa sociedade, abarcam as instituições, as estruturas de saber e poder, e o carnaval não fica de fora (ver Immanuel Wallerstein. O albatroz racista, p. 37).
Na canção “O Estrangeiro”, do disco de 1989, Caetano escreveu os versos: “O macho adulto branco sempre no comando/(...)Riscar os índios, nada esperar dos pretos”. Não esperar e não aceitar sequer que possam expressar sua própria experiência, como o fez Carlinhos Brown e o fizeram muitos representantes de blocos e entidades do Movimento Negro na Bahia. Uma experiência que afeta a vida de milhões de pessoas, e não só na Bahia, de modo essencialmente dilacerador. E uma experiência que pode ser compartilhada sem demérito. Por que não podemos aprender com Spike Lee? A proibição de que os negros brasileiros possam se debruçar sobre a realidade da Diáspora, sob o pretexto de uma singularidade extrema de nossas relações raciais, soa ridícula mas não inocente.
Caetano Veloso esteve preso em um subúrbio do Rio de Janeiro, durante a ditadura militar. E fez em seu livro “Vereda Tropical” um relato da experiência da tortura de presos comuns que seus ouvidos testemunharam (“gritos horrendos”). “De fato, desde essa experiência na PE da Vila Militar, passei a ter uma idéia diferente da sociedade brasileira, a ter uma medida da exclusão dos pobres e dos descendentes de africanos que a mera estatística nunca me daria.” (p.379)Os tais “gritos horrendos” configuram uma experiência real, autêntica, legítima – dos ouvidos e da sensibilidade de Caetano. Mas não pode ser utilizada pelos negros, que a vivenciam no pau-de-arara, como referência concreta para definir seu real “status” na sociedade brasileira. Nossas experiências servem aos outros, mas não servem a nós.
*Edson Lopes Cardoso é coordenador editorial da Revista Irohin
edsoncardoso@irohin.org.br

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Martinho da Vila: negritude e música erudita no "Concerto Negro"

O cantor Martinho da Vila lançou este ano seu CD "do Brasil e do Mundo". Espetáculos na Europa e distribuição do disco na Itália, na França, em Portugal, na Inglaterra e na Espanha marcaram o lançamento da obra, que traz participações especiais de Negra Li, Margareth Menezes, Toni Garrido e da cantora americana Madeleine Peyroux, que canta em Madeleine I Love You, uma versão de Madalena do Jucu.

Mas o objetivo deste artigo é resgatar a história de uma das mais louvadas iniciativas do compositor, que também é um militante orgânico do movimento negro brasileiro: o Concerto Negro, inspirado no cancioneiro afro-brasileiro, tem um repertório que recebe tratamento orquestral. Martinho interpreta canções e comenta a atuação do negro na música erudita brasileira.

O próprio Martinho esclarece os motivos que o levaram a conceber o espetáculo: "A primeira vez que fui aos EUA fiquei espantado com cartazes luminosos com negros, revistas com negros nas capas. Na época isso não acontecia aqui. Avançamos muito nesse sentido. Durante o centenário da abolição, a discussão das questões negras levou o Brasil a reconhecer que o racismo também existe aqui. Até aquele momento, escutávamos que o Brasil era uma democracia racial. Com relação ao “Concerto negro”, é uma forma de afirmação da cultura negra. A maioria das pessoas acha que o negro só tem influência no futebol, na música popular, mas na música erudita também temos participação expressiva".

Sua idéia nasceu em 1988, ano em que Martinho aceitou o convite do maestro Leonardo Bruno para atuar com a Orquestra do ES num projeto de integração clássico popular. Daí surgiu a continuidade do projeto em 1995, em Belo Horizonte e Diamantina, MG. Martinho da Vila foi responsável nos anos 70 pela aproximação do Brasil com a África Portuguesa, em especial com Angola do poeta político Agostinho Neto, funcionando como um embaixador cultural. Daí seu pioneirismo em um projeto desta natureza.

As peças do "Concerto Negro" são do Padre José Maurício, extraordinário músico e compositor do 1º Império, influenciado pelo canto litúrgico europeu. Além dele, foram executadas obras do cabloco Alberto Nepomuceno, que chegou a diretor da Escola de Música da UFRJ e grande incentivador de Villa-Lobos, sendo o primeiro compositor brasileiro que compôs e impôs ópera em português.

A escolha do repertório levou em conta temas ligados à cultura negra ou os compositores que trabalharam com esta causa, não só no Brasil mas no mundo como Nobody Knows (Negro Spiritual), Summertime (George Gershwin) e Concerto para Violoncello (Saint Saens).
Sob a regência do maestro Leonardo Bruno, à frente da Orquestra Sinfônica Rio, o "Concerto Negro" contou com as participações da pianista Sarah Higino, do soprano Elizeth Gomes, do violoncelista João Cândido e do barítono Pedro Alcântara. A direção geral do espetáculo foi de Antonio Pitanga e Ricardo Cravo Albin, e a direção de produção, de Antonio Pompeo.

O Concerto contou com a participação do Coral da Família Alcântara, composto de 40 integrantes entre filhos, netos e bisnetos da matriarca Vó Mena. Os Alcântara conservam a tradição do canto lírico desde o Século XVIII, quando vieram trabalhar na mineração em MG.

"De uns tempos pra cá", a obra pelo próprio autor

De uns tempos pra cá me tornei um artista razoavelmente conhecido em alguns circuitos, dentro do meu país e fora dele. À minha revelia, mas também com minha anuência, determinados aspectos da música que faço se tornaram mais visíveis que outros. Não é que eu queira me queixar. Nem poderia, num momento em que uma das principais queixas de muitas pessoas (artistas inclusive) é a invisibilidade. Não de partes. Mas a invisibilidade total delas, e de sua produção. Ser em parte conhecido, visível, ou conhecido em partes já aparenta alguma vantagem. Principalmente quando se tem, quando se criam ou se conquistam as condições de iluminar o que antes já existia mas não podia ser percebido em plenitude. Ou era simplesmente ignorado.
É o que acontece comigo agora com o lançamento deste De uns tempos pra cá, ao qual me entreguei com a alegria e a inquietação que apenas a liberdade criativa possibilita. Retribuí o convite da Biscoito Fino com canções e interpretações estritamente autorais e que só poderiam estar neste disco. Em nenhum outro, apesar das músicas já existirem muito antes que ele fosse imaginado. O desejo de gravá-las neste formato camerístico com o inquieto Quinteto da Paraíba é que norteia o disco.


De uns tempos pra cá se passaram 10 anos do "Aos Vivos", meu primeiro disco. De uns tempos pra cá já são 20 anos de Sudeste pra mim. Mas mesmo antes disso o disco começa. A canção "Utopia", por exemplo, é do princípio dos anos 80. Do meu tempo da faculdade de jornalismo em João Pessoa na Universidade Federal da Paraíba. Época de greves e passeatas. Que eu me lembre é uma espécie de comentário irresignado sobre a não-aprovação das eleições diretas para presidente pelo Congresso Nacional.

A melodia de "Por Causa de um Ingresso do Festival Matou Roqueira de 15 anos" é ainda anterior: de 1983. E o título eu roubei mais tarde de uma manchete do jornal "O Dia" sobre o primeiro Rock in Rio, ao passar pela capital carioca no começo de 1985. Morava em Barra Mansa e estava a meio caminho para São Paulo. A letra é bem recente, deste ano. Convidei duas importantes e fundamentais influências que a paraibanidade me proporcionou: Elba Ramalho e Pedro Osmar. Ela: musa agreste, retirante, vidente, incômoda em sua nordestinidade. Ele: quase invisível, multiartista a insuflar inquietação e sede de conteporaneidade sem peias a seus pares há três décadas.

"Pra Cinema" é uma melodia do fim dos anos 80. Eu já morava então em São Paulo e estudava na escola do Zimbo Trio, a convite do pianista Amílton Godói. A versão instrumental de "Autumm Leaves" começou a nascer nessa época, dos estudos com o violonista argentino Conrado Paulino. A letra é de 2004. Passou a se chamar "Outono Aqui", por sugestão do cantor paulistano Carlos Fernando, que também corrigiu-me a respeito da excessiva melancolia nordestina em relação ao outono.

De uns tempos pra cá tem em comum com outros álbuns meus o fato de que nenhuma canção foi feita para o disco em si. "Alcaçuz" é de 1998 e já foi gravada por Vânia Abreu. "Orangotanga" é de 2000 e deu nome a uma turnê européia. Quem faz a percussão aí é meu amigo de infância Escurinho, pernambucano radicado na Paraíba desde criança. "Moer Cana", "Por que você não vem morar comigo" e a canção-título são de 2003. A canção mais recente é "1 valsa p/ 3", a única em parceria, com letra minha sobre melodia de Chico Pinheiro. "A nível de", uma das minhas preferidas entre as muitas parcerias de João Bosco e Aldir Blanc, eu já havia gravado pro songbook de João Bosco a convite do saudoso Almir Chediak. Mantive "aquela guitarra" que João gostou tanto e fiz uma nova voz. Proveta e sua turma deram um banho com os únicos metais do disco. E aí está. O ano passado, a TV Educativa do Rio me convidou para cantar "Cálice", de Gilberto Gil e Chico Buarque, num show com músicas que tiveram problemas com a censura na época da ditadura militar. Decidi regravá-la. É doloroso perceber que esta canção não perdeu atualidade.

Mesmo de tons mais densos, não é de melancolia que quer falar o disco. Mas ela está aí. Pra mim é como se ele começasse escuro, numa sessão maldita de cinema à meia-noite. Atravessa uma longa madrugada, clareia aos poucos e termina encandeado de sol tropical ao meio-dia, numa mistura de feijoada e rave. Claro que não é a única leitura possível, e essa talvez seja otimista demais. É na verdade como ele nasceu em mim e aí tomou corpo, de uns tempos pra cá.

DISCOGRAFIA

"Aos vivos" (Velas, 1995), "Cuz-cuz clã" (MZA, 1996), "Beleza mano" (MZA, 1997), "Mama mundi" (MZA, 2000), "Chico César" (2000 - para o mercado internacional), "Respeitem meus cabelos, brancos" (MZA, 2002), "Jaguaribe carne - vem no vento" (2003), "Amídalas - Chico César e convidados" (2004), "Marias do Brasil" (2004), "Compacto e simples" (2005), "De uns tempos pra cá" (Biscoito Fino, 2005)

*Além de cantor, compositor e instrumentista, Chico César também é escritor e lançou em 2005, pela Editora Garamond, o livro Cantáteis - Cantos elegíacos de amozade.

Site Oficial:
www.chicocesar.com.br

A falta de capacidade não vem da condição do homem - ou homem pintando não é chimpanzé escrevendo!

Por Devana Babu*

Eu sei que vocês, leitores, não são nada preconceituosos, e é por isso que vocês estão lendo esta coluna. Porque quem escreve ela é um negro. E porque só tem quatorze anos. E por que é vocês, como brancos superiores, sabem que por pior que seja esse artigo e por mais mal escrito que ele esteja, eu sou negro, então está bem. E também sei que algum negro ativista vai pegar este artigo e dizer: “que massa, isso foi um negro que escreveu”. E vai sair correndo para seus companheiros ativistas e dizer: “viu o que um negro escreveu, gente, como ele conseguiu?”; e que milhares de leitores vão ter reações semelhantes. Aliás, eu também teria reações como essa, se eu visse um chimpanzé escrevendo de forma rústica. Agora, meus caros, nunca me surpreenderia com um ser humano. Este, meus jovens, é justamente o ponto em que pecam todos aqueles que tentam se passar por não preconceituosos. Por que eles acabam sempre criando preconceitos maiores que os preconceitos que supostamente combatem, pois criam vícios e protecionismos.

Muitos tentam realmente passar essa fachada: trocam a não-aceitação de tudo que tivesse origem negra por uma demonstração incondicional e espontânea de admiração por tudo o que cheira a negro. Esses pobres tipos agem como se dessa forma evitassem de ser preconceituosos. Ora, assim como uma pessoa que fala uma coisa e recomenda a seu interlocutor que não pense em obscenidades está na verdade ele próprio pensando nelas, essas pessoas que fazem este tipo de julgamento estão na verdade pensando numa forma de não ser preconceituosas, e não não sendo. Procuram sempre incluir em seu julgamento o fato de a pessoa ser negra, deficiente, indígena, jovem, velha, magra, gorda, feia, bonita, ou gente. E dão como que um desconto.

Fora que deixam de lado – ou tentam fingir – a sua visão preconceituosa das outras culturas, e adotam assim a postura de ter que gostar de qualquer coisa que provenha da cultura negra ou de outras culturas brasileiras mais rústicas e tradicionais, embora, por exemplo, não apliquem essa visão às outras culturas internacionais. Criam assim uma espécie de obrigação, como se duas pessoa assistissem à uma peça criada a partir de elementos da cultura negra e uma dissesse: “nossa, que lixo...”, e a outra (consciente e não preconceituosa que é), dissesse: que é isso, você TEM que gostar, essa é a nossa cultura negra!

Essa, meus caros, é a forma mais cruel e absurda do preconceito: aquela que tenta não ser preconceituosa.Por isso, não se pode tentar camuflar ou seguir o caminho inverso de nossos preconceitos. O melhor caminho e a melhor solução para evitar o preconceito é simplesmente esquecer a condição do homem, e não se surpreender, pois independentemente de idade, sexo, cor, religião, classe social, ou opção sexual, somos todos GENTE. “Nunca se surpreenda com o homem que faz, mas com o que o homem faz”.


*Devana Babu é estudante secundarista em Brasília

sábado, 8 de dezembro de 2007

Léopold Sédar Senghor e a questão da negritude

Léopold Sédar Senghor, nascido em 1906 no Senegal, desenvolveu, além de atividades literárias, uma dupla trajetória como docente e político, tornando-se professor de Línguas e Civilizações Africanas na École de France d'outre-mer e, após exercício parlamentar, tornou-se presidente da República do Senegal. O percurso de suas obras teóricas é similar ao de alguns filósofos da libertação no que se refere à sucessão das temáticas. Em 1961 escreve Nação e Caminho Africano do Socialismo; três anos depois escreve Liberdade I, Negritude e Humanismo; em 1976, publica Para uma Releitura Africana de Marx e de Engels(9).

Comenta Aimé Césaire sobre a origem do conceito de negritude que sua criação "...correspondia a uma necessidade... o negro na França via uma espécie de assimilação diminuída em nome do universalismo que ameaçava suprimir todas as características nossas. Dito de outro modo, estávamos ameaçados por uma terrível depersonalização". Isso era muito grave em razão do momento histórico em que se debatia o problema da descolonização de povos dominados por países ocidentais. A negritude afirmava que o homem negro era tão homem quanto qualquer outro e que havia realizado obras culturais de valor universal, às quais os que empunhavam a negritude queriam ser fiéis. "Cada povo - diz Senghor - não desenvolveu mais que um ou vários aspectos da condição humana. A civilização ideal seria aquela que, como esses corpos assim divinos surgidos da mão e do espírito do grande escultor, reunisse as belezas reconciliadas de todas as raças".

Senghor foi um dos maiores divulgadores da negritude, que se consolidava como um movimento cultural de resgate/construção da identidade negra, buscando desvelar a alma negra cuja característica essencial seria a emoção: "A emoção é negra, assim como a razão é helênica". A atitude do negro frente ao mundo e aos outros é de abandono e comunhão. Em si o negro é um campo de impressão, que através da sensibilidade descobre o outro. Da mesma forma que nesta interação ele não vê o objeto, mas o sente, "é na sua subjetividade, no limite de seus órgãos sensoriais que ele descobre o outro".

A emoção, como Senghor a define, é o que possibilita o elevar-se a um estágio superior de consciência. A emotividade é o elemento essencial e constitutivo do negro. A partir dela Senghor constrói uma metafísica, trata da religião e demais elementos da cultura negra e particularmente do estilo negro-africano que tem por características peculiares a imagem e o ritmo. Azombo-Menda e Enobo Kosso, citando e comentando Senghor nos esclarecem essas teses.

"As atividades técnicas e as relações sociais refletem a psicologia própria ao negro africano cuja emoção consiste em um 'apoderar-se do ser integral - consciência e corpo - pelo mundo irracional, irrupção do mundo mágico no mundo da determinação'. Enfim, a razão negra se distingue da razão branca porque ela percorre as artérias das coisas para se 'alojar no coração vivo do real': 'A razão européia é analítica por utilização, a razão negra, intuitiva por participação'. Em suma, é da especificidade biológica do negro e de sua sensibilidade que Senghor deduz a conduta, a cultura e a razão negro-africanas".

A afirmação de Senghor que o negro não vê o objeto, mas o sente, deve ser entendida considerando-se o homem negro como um campo sensorial, sendo realizada na sua subjetividade a descoberta do Outro. Neste campo sensorial há um movimento centrífugo do sujeito ao objeto, e neste caso, do eu sobre as ondas do Outro. Esta figura não é de forma alguma uma metáfora, pois como destaca Senghor, a física contemporânea descobriu a energia sob a matéria em forma de ondas e radiações:

"Eis pois o Negro-africano, o qual simpatiza e se identifica, o qual morre para si a fim de renascer no outro. Ele não assimila, ele se assimila. Ele vive com o outro em simbiose, ele conhece o outro... Sujeito e objeto são, aqui, dialeticamente confrontados no ato mesmo do conhecimento, que é ato de amor. 'Eu penso, então eu existo', escrevia Descartes. A observação já foi feita, pensa-se sempre alguma coisa. O Negro-africano poderia dizer: 'Eu sinto o Outro, eu danço o Outro, então eu sou.' Ora, dançar é criar, sobretudo quando a dança é dança do amor. É este, em todo o caso, o melhor modo de conhecimento."

Quanto à razão negra e à branca, Senghor destaca que o negro é um homem da natureza, vivendo tradicionalmente da terra e pela terra, no cosmos e pelo cosmos. Por sua sensibilidade é um sujeito que se relaciona com o objeto sem intermediário, sendo sujeito e objeto simultaneamente. O Negro é "sons, odores, ritmos, formas e cores; eu digo tato antes de ser visão, como o branco europeu. Ele sente mais do que vê: ele se sente. É em si mesmo, em sua carne que ele recebe e experimenta as radiações que emite todo existente-objeto. Movido, ele responde ao apelo e se abandona, indo do sujeito ao objeto, do eu ao Tu sobre as ondas do Outro". O eu não assimila o outro, mas se identifica com o outro. Isto se dá porque a razão negra não é discursiva, mas sintética, não sendo antagonística, mas simpática.

"Terra Pátria"

"A despeito desta diáspora, a despeito das diferenças físicas de tamanho, cor, forma dos olhos, nariz, a despeito das diferenças de culturas e de linguagens tornadas ininteligíveis umas às outras, de ritos e costumes incompreensíveis uns aos outros, de crenças singulares tornadas irredutíveis umas às outras, por toda parte houve mito, por toda parte houve racionalidade, por toda parte houve estratégia e invenção, por toda parte houve dança, ritmo e música, por toda parte houve - certamente expressos ou inibidos de maneira desigual conforme as culturas - prazer, amor, ternura, amizade, cólera, ódio, por toda parte houve proliferação imaginária, e, por diversas que sejam suas fórmulas e suas dosagens, por toda parte e sempre houve mistura inseparável de razão e de loucura".

Edgar Morin - filósofo e sociólogo de origem Judaico-Espanhola (sefardita), nasceu em Paris em 8 de Julho 1921

Lokua Kanza: a voz universal da África

Excepcional guitarrista, flautista, tecladista, percussionista, arranjador e produtor aprendeu a cantar nos coros de igrejas da República do Congo e sua voz é hoje uma das principais representantes da alma africana, nos mais importantes festivais de música do mundo. O artista faz parte da "francofonia" - conjunto de países de língua francesa.

Nascido em Bukavu, na República Democrática do Congo, Kanza morou dois anos na Costa do Marfim, acompanhando a grande estrela da música do Zaire, La Reine Abeti. Em 1984 mudou-se para Paris, onde junto com seus colegas Ray Lema, Papa Wemba e Manu Dibango, integrava a comunidade musical africana na França. Seu primeiro grande concerto em Paris foi na abertura do show de Angélique Kidjo, no Olympia. Desde esta época ele se apresenta ao lado de seus parceiros Júlia Sarr, do Senegal, nos vocais, e seu próprio irmão Didi Ekukuan , no baixo, vocais e percussão.

Lokua gravou seu primeiro disco "Lokua Kanza", em 1992. Neste trabalho, o músico e cantor revelou seu universo de intensa luminosidade e de música tão cristalina quanto tecnicamente avançada. Seus acordes minimalistas e sua profunda doçura revelam uma arte de especial sensibilidade e de extrema sutileza e transparência. "Eu queria redescobrir a magia das noites que passei em Kinshasa, quando era criança", diz ele, que expressa nas canções a emoção dos ambientes nostálgicos, com seu clima etéreo e meditativo.

A partir de 1993 o trovador virou uma estrela. Na imprensa, os críticos confessavam estar fascinados, seduzidos, energizados por sua música. Lokua assinou contrato com a BMG e fez turnês pelo mundo. Cantou ao lado de Youssou N"Dour e Patrick Bruel, produziu gravações com seus amigos Papa Wemba e Geoffrey Oryema, no estúdio de Peter Gabriel, e gravou seu segundo disco, "Wapi Yo", repleto de melodias encantadoras e de vocais brilhantes. Entre os sucessos do CD estão as canções Shadow Dancer e Sallé. Seu terceiro CD não teve o mesmo sucesso, mas está sendo relançado pela Universal.

Depois disso, Kanza fez um retiro de três anos, saindo dos palcos, mas ainda continuando a compor bastante. De volta, trouxe a surpresa: seu "Toyebi Té", quarto CD, no qual canta em francês e em ingala, com um tom confidencial e discreta acústica, uma coletânea de baladas populares.
A fusão da música de Lokua Kanza acontece em dois universos: a África com suas canções e tradições e o ocidente com seus ritmos e harmonias. Seu CD é um hino à paz nas 18 faixas. Participam, além do rapper Passi, o guitarrista Sylvain Luc, os Mestres e Doutores da Percussão Komba Bellow e Greg Bondo, e as cordas da Orquestra Sinfônica da Bulgária. Outra boa notícia neste CD é a voz da filha de Kanza, Malaika e de um coro formado por seus quatro filhos. Segundo a crítica, esta é sua obra-prima.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Na casa de meu pai: filósofo discute origens do pan-africanismo

KWAME ANTHONY APPIAH, filósofo americano, filho de inglesa e africano, com parentes em uma dezena de países, considera absurdo tentar preservar a pureza das culturas regionais. E quando o assunto é diversidade cultural, Kwame, 51 anos, fala de sua própria família. Nos anos 50, sua mãe, aristocrata e filha de um ministro inglês, desafiou as convenções para se casar com um estudante africano. Appiah nasceu na Inglaterra, mas passou parte da infância e da juventude em Kumasi, capital do povo de seu pai, os ashantis, em Gana. Como vive e trabalha nos Estados Unidos, adotou também a nacionalidade americana. Tem primos indianos, libaneses, franceses e quenianos. "Nas reuniões de família, falam-se oito línguas e há representantes das três grandes religiões monoteístas".

Em "Na casa de meu pai", o autor analisa a questão da invenção do pan-africanismo e do pan-negrismo como idealizadores de um pensamento geral para a África baseados nos conceitos de raça.

A fundamentação teórica de Appiah está baseada no pensamento do autor W. E. B. Du Bois, articulador intelectual, segundo o autor, do pan-africanismo. O autor se debruça na questão do nacionalismo e a relação entre nação, literatura e raça.

O mito de um mundo africano

Capítulo interessante do livro é aquele no qual Appiah discute a idéia de uma identidade africana. Ele avalia, por exemplo, que a grande diferença entre os escritores euro-americanos e os africanos é que os primeiros têm-se preocupado com a busca do eu, enquanto que os últimos estão engajados na busca, ou construção, de uma cultura. O autor afirma que o principal desafio dos escritores africanos na construção de uma cultura mais elitista é a substituição do “nós” da cultura oral pelo “eu” de seus livros.

Appiah também faz uma discussão sobre o que é, de fato, a filosofia africana - ou mesmo se ela existe. A criação de uma filosofia negra em contraposição à filosofia européia, ou seja, branca, como ressalta o autor, não é interessante pois esta se basearia em pressupostos de sua antitética filosofia: a branca.

Jovelina Pérola Negra, a dama de ouro do samba

Jovelina Farias Delford, nascida em Botafogo, bairro da zona sul do Rio de Janeiro. Trata-se de uma dama da alta sociedade de nossos pagodes, baiana do Império Serrano, da Ala da Cidade Alta, compositora, versadora.

Embora tenha nascido em Botafogo, logo subiu à Baixada Fluminense e baixou poeira em Belford Roxo, lugar onde chegava a qualquer hora sem perigo algum.

Verdadeira tiete do partideiro Bezerra da Silva, Jovelina começou a dizer seus pagodinhos no Vegas Sport Clube, em Coelho Neto, levada pelo amigo Dejalmir, que também lançou o nome JOVELINA PÉROLA NEGRA, homenagem à sua cor reluzente.
Jovelina sempre entrou de pé direito nos trabalhos musicais, colocando pra fora, num misto de ingenuidade e humildade, o seu potencial vocal e sua ginga, própria dos negros.
(Texto de apresentação do LP "RAÇA BRASILEIRA").

A dama do samba Jovelina Pérola Negra, nascida em 1944, morreu no dia 2 de novembro de 1998, aos 54 anos, no começo da madrugada, de enfarte, enquanto dormia em sua casa no bairro da Pechincha, em Jacarepaguá.

Abaixo, entrevista concedida à revista Raça, pouco tempo antes de sua morte.

RAÇA BRASIL
- Como foi seu primeiro encontro com a música?

JOVELINA PÉROLA NEGRA - Na minha família ninguém cantava e eu não achava que tinha uma boa voz. Quem dizia que eu cantava bem não me dava força para tentar uma carreira. Antigamente, era "brabo" para entrar numa gravadora. Quando me separei do meu marido, comecei a cantar na noite por todo o Rio e participava das rodas de samba com o Zeca Pagodinho, na Galeria do Samba.

RAÇA - Quando você se tornou cantora profissional?

JOVELINA - Depois de me apresentar na noite, durante oito anos, fui cantar na televisão, no programa Som Brasil. O Milton Manhães(produtor de nove discos de Jovelina) gostou e me convidou para gravar um disco.

RAÇA - É verdade que a gravadora rejeitou seu primeiro trabalho?

JOVELINA - É. Mas o trabalho não era só meu. Tinha também Zeca Pagodinho, Mauro Diniz, Elaine Machado e Pedrinho da Flor. Eram 12 músicas num demo vinil, que chamamos de Raça Brasileira. O pessoal da RGE não gostou. Só conseguimos gravar porque um diretor da gravadora, o seu Bruno, decidiu bancar sozinho o disco.

RAÇA - E o que aconteceu?

JOVELINA - O disco estourou de tal maneira que a gravadora entrou em desespero. Com o sucesso, chamou cada um de nós para gravar um disco-solo. O Zeca foi. Eu fiquei com medo do fracasso e não fui. Só gravei um ano depois porque o Dagmar da Fonseca me disse: "Você já assinou contrato, tem que ir, senão paga multa". Tive que ir. Eu vivia na maior dureza num barraco em Belford Roxo e tinha dois filhos pequenos para criar.

RAÇA - Depois de 11 discos, como é sua relação com as gravadoras?

JOVELINA - Não dou confiança pra gravadora. Eles têm que vender. Eu tenho que cantar. É só!

RAÇA - Você continua desfilando na Império Serrano?

JOVELINA - Gosto da escola, mas não desfilo mais. Faço muitos shows por todo o país e não tenho tempo de me preparar para o Carnaval.

RAÇA - O que você acha dessa explosão de novos grupos de samba?

JOVELINA - Todos merecem uma oportunidade. O povo sabe selecionar.Deixa o pessoal ganhar dinheiro. Gosto de todo mundo. Participei de um disco de rap do MC Marcinho. Já batizei 22 grupos de samba. Também gosto do pessoal do funk.
RAÇA - Você já cantou em outros países?

JOVELINA - Já cantei em Angola, na França e no Japão.

RAÇA - Como você vê a questão racial no Brasil?

JOVELINA - Racismo existe. O negro é discriminado. Se você vai a um lugar onde só há brancos, não é visto com bons olhos. Eu sou devagar, não vou a festa em que não sou convidada. No shopping e em qualquer lugar onde aconteça de não ser tratada muitíssimo bem, viro as costas e vou embora.

RAÇA - O sucesso melhorou a sua situação financeira?

JOVELINA - Deu para fazer um pé-de-meia. Já comprei um barraco legal em Jacarepaguá. Mas pretendo ganhar muito mais dinheiro. Quero deixar meus filhos muito bem. Quero que eles tenham o que eu não tive.

DISCOGRAFIA

Raça Brasileira (participação em 3 faixas), 1985
Jovelina Pérola Negra, 1986
Luz do Repente, 1987
Sorriso Aberto, 1988
Amigos Chegados, 1990
Sangue Bom, 1991
Pagodão da Jovelina, 1993
Vou da Fé, 1993
Samba Guerreiro, 1997
As 20 Preferidas de Jovelina Pérola Negra, 1997
* Todos lançados pela gravadora RGE

Teatro Experimental do Negro: a vanguarda política

Idealizado, fundado e dirigido por Abdias Nascimento, o Teatro Experimental do Negro tem como objetivo a valorização do negro no teatro e a criação de uma nova dramaturgia. Contemporâneo de Os Comediantes, companhia com que realiza intercâmbios, o TEN atua no nascimento do teatro moderno, priorizando seu projeto artístico em detrimento do gosto da platéia e, portanto, da profissionalização.

O projeto engloba o trabalho pela cidadania do ator, por meio da conscientização e também da alfabetização do elenco, recrutado entre operários, empregadas domésticas, favelados sem profissão definida e modestos funcionários públicos.

A companhia iniciou suas atividades em 1944, colaborando com o Teatro do Estudante do Brasil, na encenação da peça Palmares, de Stela Leonardos. Quando decide empreender um espetáculo próprio constata que não há, na dramaturgia brasileira, textos que sirvam aos seus objetivos. Abdias do Nascimento descobre em O Imperador Jones, de Eugene O'Neill, o retrato mais aproximado sobre a situação do negro após a abolição da escravatura. O autor cede gratuitamente os direitos e o grupo ensaia durante seis meses, tendo aulas de interpretação com o professor Ironildes Rodrigues em salas da União Nacional dos Estudantes.

O espetáculo, dirigido por Abdias do Nascimento, estréia em maio de 1945 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e obtém boa receptividade, com elogios ao protagonista, Aguinaldo Camargo.
O TEN procura estimular a criação de novos textos, que sirvam aos seus propósitos. Sua diretriz é a temática ligada à situação do negro. A falta de resposta à altura de suas expectativas faz Abdias do Nascimento encenar outro texto de Eugene O'Neill, Todos os Filhos de Deus Têm Asas, com a participação no elenco da atriz Ruth de Souza.

A primeira resposta à demanda dramatúrgica da companhia é o texto O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso, encenado em 1947, com cenários do negro Tomás Santa Rosa, e protagonizada por Ruth de Souza e Aguinaldo Camargo. Ainda em 1947, participam de Terras do Sem Fim, de Jorge Amado, adaptação de Graça Mello, com direção de Zigmunt Turkov, montagem em colaboração com Os Comediantes.

Em 1949, é a vez de Filhos de Santo, de José de Morais Pinho, encenado por Abdias no Teatro Regina, novamente com cenários de Tomás Santa Rosa, outro texto selecionado entre aqueles escritos especialmente para o TEN. Contendo muitos elementos da cultura religiosa negra e pinceladas de crítica social, a peça se baseia em uma situação maniqueísta em que uma jovem é enfeitiçada por um pai-de-santo vilão, que a rouba de seu amado.

Em 1950, o TEN estréia Aruanda, de Joaquim Ribeiro, um dos poucos textos bem-sucedidos do repertório lançado pela companhia. Trata-se de uma lenda desenvolvida com mistério e sensualidade, sobre o amor entre Rosa Mulata e o Deus Gangazuma, com quem ela se encontra por meio de seu marido, que recebe o espírito do Deus. Nesse texto, a cultura e a religião afro-brasileiras entram na história como contexto fundamental, mas não como tema. Embora aponte falhas estruturais na dramaturgia, o crítico Sábato Magaldi considera que a lenda "é um episódio de crença negra dos mais felizes proporcionados pela imaginação primitiva" e que traz "uma história de amor e ciúme de incontestáveis riquezas".

Abdias do Nascimento escreve Sortilégio - Mistério Negro para o TEN, encenada por Léo Jusi no Teatro Municipal, em 1957. Baseada numa história de amor que envolve um negro e duas mulheres, uma negra outra branca, a peça, cheia de elementos não realistas como aparições, flash-backs e personagens que simbolizam o inconsciente coletivo, aborda a tomada de consciência do protagonista sobre sua alienação no mundo dos brancos. No mesmo ano, estréia O Mulato, de Langhston Hughes, que se apresenta também em São Paulo, embora sem repercussão. A companhia se apresenta também na Escola de Teatro Martins Pena, onde estréia, em 1961, sob a direção de Aylton de Menezes, O Castigo de Oxalá, de Romeu Cruzoé, romancista e dramaturgo pernambucano.

Embora tenha como ponto de partida uma premissa ideológica, o TEN não se volta para um teatro popular nem para a popularização de sua platéia. Apresentando-se muitas vezes no Teatro Municipal, para uma platéia composta por brancos, seu diretor afirma não querer fazer restrições raciais ao público nem ao escritor, o que significa aceitar o fato de que os dramaturgos e os espectadores pertenciam à classe da elite branca carioca.

Abdias do Nascimento procura fazer o TEN ultrapassar os limites da função artística e empreender também uma ação social: cria um concurso de beleza para negras e um concurso de artes plásticas com o tema Cristo Negro. Em 1945, promove uma Convenção Nacional do Negro e, em 1950, o 1º Congresso do Negro Brasileiro. Em 1955, realiza a Semana do Negro. Edita o jornal Quilombo.

As atividades do TEN incentivam a criação de iniciativas semelhantes. No Rio de Janeiro, em 1950, Solano Trindade funda o Teatro Popular Brasileiro; em São Paulo, onde os grupos negros encontram na dramaturgia norte-americana uma fonte para suas encenações experimentais; Geraldo Campos de Oliveira funda também um Teatro Experimental do Negro, que se mantém em atividade durante mais de quinze anos e monta, entre outros, O Logro, de Augusto Boal, 1953; O Mulato, de Langhston Hughes, 1957; Laio Se Matou, de Augusto Boal, direção de Raul Martins, 1958; O Emparedado, de Tasso da Silveira; e Sucata, de Milton Gonçalves, ambos em 1961.

Por duas vezes o TEN é impedido de participar de festivais negros internacionais pelo próprio governo brasileiro. Segundo a historiadora Miriam Garcia Mendes, no entanto, esses fatos não devem ser compreendidos apenas como fruto da discriminação racial: "... os movimentos de vanguarda, e o TEN era um deles, sempre enfrentaram grandes dificuldades, não só por falta de apoio oficial, como pela natural reação do público (...) habituado às comédias de costumes inconseqüentes ou dramas convencionais".

O Teatro Experimental do Negro nunca atingiu a importância social que pretendia em seu tempo. Mas, em termos de história do teatro, significou uma iniciativa pioneira, que mobilizou a produção de novos textos, propiciou o surgimento de novos atores e grupos e semeou uma discussão que permaneceria em aberto: a questão da ausência do negro na dramaturgia e nos palcos de um país mestiço, de maioria negra.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Eu e meu branco – filme de Pierre Yameogo descortina mundos

De Pierre Yameogo, com Anne Roussel, Bruno Predebon, Micheline Compaoré, Pierre Loup Rajot, Ray Ainsi Lema, Samuel Poirier e Serge Bayala, esta comédia em cores narra a história de Mamadi, estudante de Burkina Faso, e Frank, jovem francês, vigias de um estacionamento. Através das telas do equipamento de segurança acompanham as idas e vindas, prostituição e tráfico de drogas que acontecem entre o movimento dos automóveis. Uma noite, Mamadi descobre um embrulho abandonado, com drogas e dinheiro, decidem ficar com ele, mas são perseguidos pelos donos... escondem-se um tempo na casa de Frank, depois voam para Ouagadougou... Nessa aventura, cada um deles vai descobrir o mundo do outro.

Pierre Yameogo nasceu em 1955 em Koudougou. Depois de um estágio na televisão de Burkina, cursou o conservatório de cinema francês, e a universidade Paris VIII. Investe em cinema criando sua própria estrutura de produção na França para desenvolver histórias rodadas em Burkina. Principais trabalhos: Dunia, 1987, média-metragem, ficção. Laafi, 1991, longa-metragem, ficção (Semana da Crítica Cannes 1991) Wendemi, l´enfant du bom dieu, 1992, longa-metragem, ficção (Um certain regard Cannes 1993) Silmandé Tourbillon, 1998, longa-metragem, ficção.

Burkina Faso (ou Burkina Fasso, por vezes aportuguesado como Burquina Faso), antigo Alto Volta, é um país africano limitado a oeste e a norte pelo Mali, a leste pelo Níger, e a sul pelo Benin, pelo Togo, por Gana e pela Costa do Marfim. Sua capital é a cidade de Uagadugu. Em 1896, o reino Mossi de Uagadugu tornou-se protectorado francês depois de ser derrotado pelas forças francesas. Em 1898, a maior parte da região que corresponde hoje ao Burkina Faso foi conquistada. Em 1904, estes territórios foram integrados na África Ocidental Francesa, no coração da colónia do Alto-Senegal-Niger (Haut-Sénégal-Niger).