sexta-feira, 30 de novembro de 2007

APN's vão discutir questões étnicas em conferência municipal de juventude

Com o tema “construindo políticas públicas de juventude: parâmetros e perspectivas”, a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista promove a I Conferência Municipal de Políticas Públicas de Juventude, nos dias 14 e 15 de dezembro, no CEFET. O objetivo é discutir as principais questões de interesse juvenil como educação, trabalho, esporte, lazer, sexualidade, etnia, entre outros, visando propor ações para subsidiar a elaboração de políticas para este segmento social.

PROGRAMAÇÃO

DIA 14 (sexta-feira) 19: 00 h: Abertura do Evento
20:00 h: Palestra – “Diretrizes e Perspectivas de Políticas Públicas de Juventude do Governo Federal”.
20:30 h : Palestra – “Participação Juvenil: uma questão de consciência”
21:00 h : Abertura ao público – perguntas e respostas21:40 h : Encerramento dos trabalhos

DIA 15 (sábado)
08:30 h: Abertura dos trabalhos
08:40 h: Credenciamento para as oficinas temáticas
09:00 h: Início das oficinas temáticas
10:00 h – Lanche
10:30 h – Retorno aos trabalhos
12:00 h – Almoço
13:30 h – Reinicio das oficinas
15:30 h – Lanche
16:00 h – Plenária
17:30 h – Encerramento do Encontro
OFICINAS TEMÁTICAS:
OFICINA 1 – Protagonismo Juvenil e Organização Política
OFICINA 2 – Juventude, Trabalho e Renda
OFICINA 3 – Juventude e Educação
OFICINA 4 – Juventude, Esporte, Lazer, e Meio Ambiente
OFICINA 5 – Juventude, Saúde e Sexualidade
OFICINA 6 – Juventude, Drogas, Violência e Criminalidade
OFICINA 7 – Juventude e Inclusão Digital
OFICINA 8 – Juventude e Garantia de Direitos
OFICINA 9 – Juventude e Questões Étnicas

Site oferece material pronto para aplicação da lei 10.639

A lei 10.639 completa cinco anos em janeiro próximo. A matéria representa um marco na história brasileira do ponto de vista de uma legislação que tenta influenciar a sociedade a pensar nossa história sob uma ótica que inclui também as ações dos afro-brasileiros no enredo de realizações. É evidente que há uma grande distância entre a aprovação da lei e sua efetiva aplicação, mas também é evidente que a transformação social não ocorre por dádiva mas em função da militância e da reflexão permanente.
Aos professores, militantes negros ou não, as a todos os interessados numa ação conjunta em favor de uma outra realidade social, vale a pena acessar o site http://br.geocities.com/memorialeliagonzalez para ter acesso a um farto material feito exclusivamente para o trabalho da lei 10.639. Um trabalho que merece ser celebrado.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Curta conta história da escritora Carolina de Jesus

Vale a pena correr atrás e assistir a obra. Trata-se de um belíssimo documentário sobre a escritora negra Carolina de Jesus, que se tornou conhecida no final dos anos 50 e início dos 60. Ela veio dar tapa na cara dos canalhas, dos artistas e de muita "gente de bem" que, na época, idealizava o morador de favela. Quando se achava lindo um rato passando na porta de casa ao lado das crianças, quando se achava lindo ver a negrada jovem desempregada, tomando cachaça, compondo um samba na porta do bar, quando o Brasil era campeão em 1958 e um menino chamado Pelé erguia a taça, quando Brasília era inaugurada e muita gente achava que nós éramos o país do futuro, foi aí que surgiu Carolina de Jesus, preta, favelada, mãe de três filhos.
HISTÓRICO DE CAROLINA
Carolina Maria de Jesus nasceu a 14 de Março de 1914 em Sacramento, estado de Minas Gerais, cidade onde viveu sua infância e adolescência. Foi filha de negros que, provavelmente, migraram do Desemboque para Sacramento quando da mudança da economia da extração de ouro para as atividades agro-pecuárias.
Carolina foi mãe de três filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Faleceu em 13 de Fevereiro de 1977, com 62 anos de idade e foi sepultada no Cemitério da Vila Cipó, cerca de 40 Km do centro de São Paulo.
Quanto a sua escolaridade em Sacramento, provavelmente foi matriculada em 1923, no Colégio Allan Kardec, primeiro Colégio Espírita do Brasil, fundado em 31 de Janeiro de 1907, por Eurípedes Barsanulfo. Nessa época, as crianças pobres da cidade eram mantidas no Colégio através da ajuda de pessoas influentes. A benfeitora de Carolina Maria de Jesus foi a senhora Maria Leite Monteiro de Barros, pessoa para quem a mãe de Carolina trabalhava como lavadeira. No Colégio Allan Kardec Carolina estudou pouco mais de dois anos. Toda sua educação formal na leitura e escrita advêm deste pouco tempo de estudos.
Mesmo diante de todas as mazelas, perdas e discriminações que sofreu em Sacramento, por ser negra e pobre, Carolina revela através de sua escritura a importância do testemunho como meio de denúncia sócio-política de uma cultura hegemônica que exclui aqueles que lhe são alteridade.
A obra mais conhecida, com tiragem inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana, e traduzida em 13 idiomas nos últimos 35 anos é Quarto de Despejo. Essa obra resgata e delata uma face da vida cultural brasileira quando do início da modernização da cidade de São Paulo e da criação de suas favelas. Face cruel e perversa, pouco conhecida e muito dissimulada, resultado do temor que as elites vivenciam em tempos de perda de hegemonia. Sem necessidade de precisarem as áreas de onde vem os perigos, a elite que resguarda hegemonias não suaviza atos e conseqüências quando ameaçadas por "gente de fora" (leia-se, "gente de baixo").Essa literatura documentária de contestação, tal como foi conhecida e nomeada pelo jornalismo de denúncia dos anos 50-60, é hoje a literatura das vozes subalternas que enunciam-se, a partir dos anos 70, pelos testemunhos narrativos femininos.
Segundo pesquisas do professor Carlos Alberto Cerchi, Quarto de Despejo inspirou diversas expressões artísticas como a letra do samba "Quarto de Despejo" de B. Lobo; como o texto em debate no livro "Eu te arrespondo Carolina" de Herculano Neves; como a adaptação teatral de Edy Lima; como o filme realizada pela Televisão Alemã, utilizando a própria Carolina de Jesus como protagonista do filme "Despertar de um sonho" (ainda inédito no Brasil); e, finalmente, a adaptação para a série "Caso Verdade" da Rede Globo de Televisão em 1983.

Ministério da Saúde promove concurso de desenho para pessoas com doença falciforme

A Coordenação da Política Nacional de Sangue e Hemoderivados/DAE/SAS/MS, em parceria com a FENAFAL – Federação Nacional das Associações de Doença Falciforme, celebra o Dia Nacional de Luta pelos Diretos das Pessoas com Doença Falciforme, promovendo o 1º Concurso de Desenho para Pessoas com Doença Falciforme. O tem escolhido é: Pela Conquista dos Nossos Direitos... Os desenhos selecionados ilustrarão o calendário do ano de 2009 da Coordenação da Política Nacional de Sangue e Hemoderivados.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Maurício Pestana: carunista negro descortina verdades sociais


Bahia vai adotar Selo Diversidade

Idéia lançada em São Paulo, com o Selo Diversidade no Trabalho Cidade de São Paulo, implantado pela Secretaria do Trabalho e institucionalizado por decreto da Prefeitura, agora também é realidade em Salvador.
A proposta de criação do selo Diversidade no Trabalho – Cidade de São Paulo, lançada em São Paulo, em novembro de 2.006, pelo editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, presidente da Comissão Intersecretarial de Monitoramento e Gestão da Diversidade. O prefeito João Henrique e a secretária Municipal de Reparação Ana Garcia assinaram na semana passada o decreto criando o Selo Diversidade de Salvador, que agora começa a ser construído numa parceria da Secretaria Municipal de Reparação, com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República.
A proposta da Prefeitura, com o Selo, é certificar as empresas, organizações não-governamentais (ONGs) e instituições públicas que assumirem o compromisso social de promoção da diversidade racial em suas estruturas de trabalho. A iniciativa integra a programação em homenagem ao Mês da Consciência Negra.
Para o Subsecretário da Semur, Antônio Cosme, a criação do Selo na Bahia é uma grande conquista para a população baiana, em sua maioria formada por negros.
Com o programa o Poder público passará a reconhecer publicamente as empresas que adotarem políticas de promoção de igualdade racial, conferindo um Selo, que poderá ser utilizado em peças publicitárias das instituições que aderirem ao projeto.

Centro lança quarta edição do Prêmio "Educar"

A quarta edição do Prêmio “Educar para a Igualdade Racial”- Experiências de Promoção da Igualdade Racial-Étnica no Ambiente Escolar” foi apresentado nesta quarta-feira (28/11), às 08h30, no auditório do Banco Real. O objetivo do Prêmio é incentivar as ações educacionais que promovam diversidade racial, com o objetivo de sensibilizar e subsidiar profissionais da educação na inclusão social de crianças de diferentes etnias.
O Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdade (CEERT) e o Banco Real - junto com os demais parceiros - vão concentrar esforços na valorização de investimento na primeira infância. Por isso, na edição de 2008 do prêmio Educar para a Igualdade Racial participarão os professores de escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries), que vão poder inscrever seus projetos e experiências.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Demagogia permanente – um olhar crítico ao detalhe que corrompe

Toda discussão ou enfrentamento ao racismo é uma situação escorregadia, sobretudo quando o problema social e moral é substituído por referências ao dicionário e se deixam de lado os pequenos detalhes. As pessoas tendem a burlar a brutalidade, que é ter que estar o tempo todo explanando: “olha! racismo é crime, não tenha atitudes racistas se não será preso”! Mas, no seu íntimo, sabe que não pode impedir o pensamento, uma das mais poderosas e secretas armas do ser humano, que pode esconder um sentimento de espanto ao ver um negro dirigir um carro novo, ou um susto quando algum negro cruza o seu caminho.
Enfim, se os oficiais da lei soubessem ler pensamentos, poucas pessoas estariam livres. Ser negro no Brasil significa ser frequentemente objeto de um olhar vesgo. E só quem é negro e se sente negro é capaz de identificar esse olhar, os olhares de medo, espanto, e desconfiança.
De cima para baixo vem a lei, que busca evitar que pessoas apanhem na rua apenas por serem de tez diferente, o que acontece com muita freqüência, ainda assim.
As políticas de cotas são necessárias e servem para reparar um pouco a injustiça que sofremos ao longo dos séculos no sistema educacional. Contudo, é nos pequenos detalhes que podemos erradicar o racismo, como, por exemplo, não considerar natural ser chamado de neguinho, quando sabemos que tal intimidade advém de um olhar vesgo de um indivíduo que ver na nossa cor a porta de entrada para tal intimidade. Deixemos de achar natural poder contar nos dedos os negros que aparecem nos comerciais de tv, nos outdoor e nas novelas.
Tais fatos passam desapercebidos e a demagogia ganha espaço na convivência cotidiana com o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido que é, também, utilizado por governos, partidos e instituições: A filosofia solucionista criada por “brancos” não alcança os pequenos detalhes. Os pequenos detalhes estão longe dos debates acadêmicos, funcionários públicos que distinguem tanto pela cor como pela condição social continuam a trabalhar.
O delegado de polícia do Pará, por exemplo, prestando depoimento a respeito do caso da adolescente que ficou detida com 20 homens em uma cela, e lá foi violentada, disse que a mesma só podia sofrer algum distúrbio mental, pois em momento algum mencionara sua condição etária; esse delegado tem as mesmas características dos racistas que muitas vezes falam que a culpa do racismo é do próprio negro. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Sendo assim, prestemos mais atenção nos pequenos detalhes, valorizemos mais os pequenos grupos que formam entidades que discutem a questão e valorizemos mais ainda a intolerância contra os pequenos detalhes.
Dernival Araújo é geógrafo e militante do movimento negro

Tradições negras, políticas brancas – uma análise do 20 de Novembro no Brasil

20 de Novembro de 1695: há 312 anos, se completava de forma trágica, absolutamente cruel e desumana, a possibilidade concreta de os negros desse país sonharem com um país decente e inclusivo. Zumbi, assim como Ganga Zumba, só para citar dois desses lutadores, foram esquartejados, destruídos pelo Estado Brasileiro...
Assim, hoje, em 2007, quando se completam 118 anos da chamada Proclamação da República, vemos a necessidade premente do resgate, (re)afirmação e preservação da memória histórica como forma de construção da nossa história. E é exatamente pela disputa dessa memória, dessa história, que nos últimos 36 anos, a partir do dia 20 de Novembro de 1971, no Brasil, se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra.
Essa data, para nós, é muito significativa.
Zumbi, um dos últimos grandes líderes e ícones da resistência ao escravismo do Quilombo de Palmares, foi assassinado na luta pela liberdade desse país! Segundo o professor Flávio Gomes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a escolha do 20 de Novembro foi muito mais do que uma simples oposição ao 13 de Maio: os movimentos sociais escolheram essa data para mostrar quanto o país está marcado por diferenças e discriminações raciais. Para exemplificar essa assertiva, não é por acaso que, finalmente, o Estado brasileiro reconhece que há uma dívida histórica com os pretos desse país.
Estão aí algumas medidas propositivas no sentido da tão propalada inclusão racial e social, a exemplo da Lei 10.639/2003, que, entre outras atribuições, nos faz retornar à África no sentido do conhecimento mesmo da história da África e dos africanos; a luta e os desafios dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e a conseqüente formação de uma identidade nacional. Não é fácil, não está sendo fácil, até porque, é fato, os diversos processos coloniais construídos ao longo da história pelo imperialismo europeu criaram um sistema de dominação ideológica em que outras contribuições de cultura, educação e política foram suprimidas, substituídas ou até mesmo ignoradas.
Isso por si só explica, no Brasil, por exemplo, a ausência da história da África e dos africanos. Certamente essa lacuna tem conseqüências desastrosas sobre a população brasileira. Algumas delas: exclusões étnicas, às quais denominamos de racismos, os processos de criação de credos sobre a inferioridade do negro, do africano e dos afro-brasileiros e uma tentativa sórdida – capitaneada pela grande mídia corporativa – de tentar retirar a oportunidade dos negros construírem a identidade positiva sobre nossas origens, abrindo espaços para hipóteses preconceituosas, desinformadas ou racistas sobre as nossas origens.
Seguramente, o negro, assim como as tribos de homens nus, não é ignorante, inculto, incivilizado. Aliás, num texto clássico, datado do dia 18 de Outubro de 1854, sobre Fortunato Lopes da Silva, é dito que “esse crioulo tem 20 e tantos annos de idade, falta dentes na frente (...) é muito pachola, mal encarado, fala com a boca cheia, entende plantações da roça e anda de cabeça baixa (...)”. É esse o eixo central determinante que me leva a combater conceitos inferiorizantes sobre nós, negros, no país. Esse panfleto descrito acima se revela hoje extremamente atual e cruel e retrata a posição social generalizada do negro no Brasil. É incrível, mas ainda me deparo com anúncios em rádios ditas legais nos quais empresas “procuram pessoas de boa aparência” para determinados cargos; ou, ainda, a pouca ou nenhuma representação de negros em comerciais de TV, âncoras de jornais, novelas. É intrigante. Fica parecendo que negro não come, não compra roupa, não acessa internet, não vai a shopping center, não lê revista, livros, não gosta de cinema... Particularmente, gostaria de ver um negro associando sua imagem a um lançamento de determinada marca de carro da moda no país. Seria interessante!
O grande desafio posto é subverter essa perversidade reinante do Brasil, que é ignorar a marca d’África no nosso meio, no sentido da ampliação de atuação do negro nos espaços de decisões políticas. Precisamos ampliar o número de professores negros nas universidades desse país. Não é possível que entre as vinte principais instituições que produzem conhecimento acadêmico no Brasil, com destaque para a UFRGS, UFMG, UNICAMP, UFRJ, USP, UFSCar, UFG, UFRP, entre outras, termos cerca de 15.866 docentes, entre os quais, somente 67 negros (dados da Universidade Brasília, Jornal A Tarde, 14 de Outubro de 2007); ou seja, esses números revelam que temos somente (um) 1% de professor negro produzindo conhecimento nas academias do Brasil!
Enfatizo que quando me reporto à memória histórica calcada no episódio de Palmares é porque estou considerando a diversidade reinante no Brasil, estou falando de representantes dos quatro continentes, do encontro de culturas e civilizações provindas da América, Europa, África e Ásia. Isto é, os povos indígenas, os alienígenas de diversos países europeus, árabes, africanos. É por isso que conhecer o Brasil equivale a conhecer a história e a cultura de cada um desses componentes culturais, tentando cercar e captar suas contribuições na sociedade brasileira. Não vejo melhor caminho para entender a história social e cultural deste país a não ser começando pelo estudo de suas matrizes culturais: indígena, européia, africana e asiática.
É isso! Palmares, na sua radicalidade social e política, foi o primeiro traço do solo brasileiro a se emancipar – temporariamente, é verdade –, da soberania lusitana num primeiro momento, mas ficou para nós, lutadoras e lutadores da África e do Brasil, a possibilidade de, a partir do diálogo, mas não menos do enfrentamento, vencer a difícil e complexa dívida histórica e cultural com os povos d’África. Para isso, é necessário conhecimento, mas não só aprender História ou Geografia, também descobrir que entre Brasil, África, Ásia, Europa há muita coisa em comum, principalmente o combate ao racismo e à injustiça social.

Joilson Berghem, Historiador e Pesquisador Independente do Negro no Brasil

Carta de Abdias Nascimento ao presidente Lula

Abdias Nascimento é um patrimônio vivo do Movimento Negro brasileiro e tem uma história de ação política de repercussão mundial. Aos 94 anos, ele mantém viva sua luta pela equação dos graves problemas sociais e raciais do Brasil, apresentando-se como um instrumento de permanente vigília.
Político, artista plástico, poeta e escritor, Abdias escreveu recentemente uma carta na qual, com sua habitual coerência e clareza, expõe ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, algumas questões vinculadas à comunidade negra que devem ser tratadas com a devida urgência.

Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2007.
Sua Excelência, nosso querido Presidente Lula,

Saudações quilombistas no Dia Nacional da Consciência Negra

Tenho recebido das mãos de Vossa Excelência honrarias que muito me orgulham, e que recebo em nome do povo afrodescendente deste País, pois entendo que os méritos a ele pertencem. Por isso não poderia deixar de me manifestar no dia de hoje ao povo negro, a todo o povo brasileiro, e a nossos governantes, na pessoa de Vossa Excelência, pois a felicidade do negro, como disse o poeta, é uma felicidade guerreira.
Ao tempo que muito me alegram e me honram a outorga da Grã Cruz da Ordem do Mérito Cultural, e a minha inclusão na mais alta classe da Ordem do Rio Branco, observo que as desigualdades raciais no Brasil continuam agudas e profundas. Diariamente recebo notícias de pesquisas quantitativas que confirmam este fato. Só no dia de hoje, por exemplo, soubemos por pesquisadores da UFRJ que as principais causas de mortalidade de homens negros são violentas, como homicídios, enquanto os brancos morrem mais por doenças. Ainda hoje também, soubemos que a Fundação SEADE concluiu que brancos ocupam quatro vezes mais cargos executivas que negros.
Setores poderosos detentores dos meios de comunicação de massa no país estão deflagrando uma campanha no sentido de desacreditar essas estatísticas e vilipendiar aqueles, como Vossa Excelência, que pensam na necessidade de políticas públicas de combate a essas desigualdades. Novamente nos acusam de racismo, usando o falso argumento de que o critério de análise dos dados, e não a realidade social, causa divisões perigosas em nossa sociedade. Há décadas os intelectuais negros afirmam que raça nada tem a ver com biologia ou genética, mas que como categoria socialmente construída é uma dura realidade discriminatória baseada em características de aparência e fenótipo.
Senhor Presidente, suas recentes visitas à África somadas a outras iniciativas como a promulgação da lei 10.639/03 e a implantação da política de cotas reparatórias nas universidades têm propiciado um novo clima que permite debater questões sérias que vinham sendo ocultadas ou negadas pelas elites entrincheiradas no mundo acadêmico e no universo da mídia. Ora, diante de um momento tão encorajador, fomentam, com crescente agressividade, essa campanha desestabilizadora da sociedade, em que a desinformação deliberada rivaliza com a malevolência racista, e que objetiva intimidar todo um povo e enganar toda uma nação.
Assistimos como, na casa dos representantes do povo, após receber com grande repercussão os porta-vozes dessa campanha, se mandou "calar a boca" aos negros que usaram de seu legítimo direito democrático de apresentar as suas demandas. Assusta pensar que legisladores capazes de semelhante agressão se pronunciarão, daqui alguns meses, sobre o Estatuto da Igualdade Racial, cujas propostas abrem novas perspectivas para melhorar as relações sociorraciais e trazer um vento de esperança à população negra preterida.
Senhor Presidente, hoje a Ministra da SEPPIR, nossa querida Matilde Ribeiro, irá lhe apresentar o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, fruto de todo um processo de coordenação de deliberações para a construção dessas políticas públicas. Venho hoje lhe convocar a não esmorecer na sua decisão de implementá-las, pois nossa população aguarda políticas efetivas, o que significa investimento de recursos.
Há muito tempo os economistas comprometidos com o povo brasileiro vêm falando que o nosso país precisa crescer, para valer, para absorver as legiões de jovens que, a cada ano, procuram ingressar no mercado de trabalho. Estamos acumulando décadas perdidas com a falta de desenvolvimento econômico intensivo em emprego, com a transversalidade de raça e gênero, associada à redução do papel do Estado na área social. Como conseqüência, os problemas sociais vêm atingindo patamares perigosos. Haja vista a violência em nossas cidades que alcança índices de genocídio entre a juventude negra e favelada.
Reconheço o grande avanço que significa a Lei 10 639/2003, que visa fazer o resgate de nossa história e de nossa memória e torná-las patrimônio cultural de todo o povo brasileiro, mas tenho que elevar a minha voz para dizer que esta lei não está sendo cumprida, ou tem a sua implementação dificultada, por todos aqueles que não querem mudanças nas relações de dominação racial em nosso país.
Reconheço o avanço contido no Programa Brasil Quilombola, e lhe convoco a continuar investindo cada vez mais nesse setor, apesar da campanha de mídia que caracteriza sua ação como criminosa e racista, no intuito de desmoralizá-la e favorecer os interesses fundiários estabelecidos. Deflagra-se, ainda, uma onda de violência, também no intuito de favorecer tais interesses, em que hoje morreu um quilombola no estado do Espírito Santo. É preciso continuar: demarcar, desapropriar, e fazer valer os direitos das comunidades quilombolas contra as ameaças constantes de despejo de seus territórios. Não podemos, com coerência, celebrar Zumbi do Quilombo dos Palmares, herói nacional, enquanto as populações dos quilombos do Brasil são agredidas e têm seus direitos desrespeitados!
Aliás, na qualidade de co-fundador e ex-presidente do Memorial Zumbi, movimento da sociedade civil que conduziu à criação da Fundação Cultural Palmares e à desapropriação das terras da Serra da Barriga, venho lhe indagar como, no ato cívico realizado nas terras de Palmares, faltaram as bandeiras do Brasil, do Estado de Alagoas, e do Município de União dos Palmares. Trata-se de um simbolismo fundamental. Esta data, esta luta e essas políticas públicas são bandeiras do Brasil e de seus governos locais e estaduais, não só dos afrodescendentes!
Finalmente, quero dizer que tenho fé nas forças que querem transformar o meu país. Também nutro a convicção maior de que as energias que brotam do coração de Zumbi dos Palmares e de todos os nossos ancestrais ampliarão, cada vez mais, a consciência negra neste país. De negros e de brancos que sonham o sonho bom da liberdade e da justiça.
Por isso as saudações quilombistas: trata-se de uma proposta para a Nação. Zumbi vive em nós, homens e mulheres da resistência anti-racismo e da construção de um Brasil justo e democrático. Axé!

Abdias Nascimento, professor e militante do movimento social afro-brasileiro