quarta-feira, 2 de abril de 2008

OLHOS DE RIZO – meu mais novo companheiro musical

Pois é! Tive acesso hoje ao já tão bem comentado “Olhos de Rizo”, da negra linda Cláudia Rizo; o álbum é uma pérola rara num ambiente musical que carecia dessa inovação estética. É uma obra ousada: brilhante na proposta, extraordinária no resultado. Trata-se, para mim especialmente, da consolidação de um projeto pessoal, mas de construção coletiva, voluntariamente coletiva; daí porque a beleza plástica que mina de todos os lados do disco; daí porque o sentimento de nostalgia dos velhos vinis: como seria bom tê-la, Claudinha, nos velhos bolachões, única maneira de consumir o romantismo com o alma repleta de alegria.

A faixa um do disco, QUENTE... bom, há uma suspeição no ar, mas devo afirmar que você soube vesti-la com uma beleza cujos próprios compositores jamais imaginaram ser possível; a canção (assim devo chamá-la?) é um belo presente romântico para os ouvidos bem-educados; a roupagem instrumental, a leveza vocal, o encontro de ambos, a sensibilidade de sabê-la uma canção de amor sem dor e recriá-la para este ambiente de contemplação amorosa foi uma bela sacada; foi uma sacada interessantíssima...

Em NOVA ESTAMPA, você, Graco e João Omar me levaram à comoção plena: Villa-Lobos regozijou nos espaços musicais que habita e se reconheceu ali, no piano, no cello, na letra, na voz, no doce perfume que emana de uma canção simples, coisa tão rara e tão necessária: simplicidade e sofisticação, este casamento perfeito legou-me momentos de puro prazer espiritual. Passei a seguir os passos labirintos e me entregar à comoção do amor. Imaginei roteiros para tantos filmes fulminado pela inspiração derivada daquele som.

A auto-biográfica ILHA DE MIM é linda a partir do próprio objetivo: fala-se si ao falar do mundo, das pessoas, das solidões, do desejo de reconstrução de desejos; o blue-breque é, no disco, a interpretação que Claudinha faz do mundo e de si mesmo, acotovelando com sua habitual verve vocabular aqueles cujas vidas se curvam à mesmice, tão funesta. O conceito da letra e da melodia, noturnas por concepção, instigou-me a imaginar o drama para construção desse arranjo, em si mesmo repleto de desejos e de um vocabulário vasto de emoções.

Não precisavam me dizer. Eu saberia em quaisquer circunstâncias: O SAMBA ME MALTRATA é uma evidente produção ricardina. Desnecessário alongar-me em considerações quanto à habilidade deste moço em traçar idéias sobre nosso cotidiano, tão vulnerável, de operário. A metáfora do couro do tamborim, este amor afetuoso e conflituoso entre mulher, malandro e samba – tão à moda buarquina – recebeu uma roupagem que merece aplausos permanentes; fiquei presa a ela horas até desembarcar embasbacado n’UM TOM MEIO ZÉ, esta verdadeira celebração daquele que é, para mim, o nosso instrumento-patrimônio-raiz: o velho pandeiro. Encontrei Ricardo Marques (o nosso velho músico dos saraus) anos atrás descendo a Rua dos Fonsecas ensandecido: acabara de compor esta que, naquele momento, ainda não tinha sequer título. Parou-me ali mesmo para mostrar sua mais nova produção musical: “vamos compor?”. Eu disse: “Não. Está completa e acabada”. Foi um naufrágio emocional involuntário ouvi-la enquanto descia a Bartolomeu de Gusmão na velha companheira bike. Até o céu se transformou e me mostrou a permanência daquilo que tem vida.

PÂO DE QUEIJO E ACARAJÉ é uma letra maldosa numa melodia safada, composta para ser cantada por uma língua vadia. Parafraseando o velho Augusto, o homem por sobre quem caiu a chaga da tristeza do mundo é mais feliz que este de seu relato musical tão sincero, e tão cortante. Seja como for, vou guardá-la para os momentos de malandragem verbal, erguê-la como símbolo de deboche contra o ocaso da intelectualidade; palavras que arranham os velhos chavões e arruínam as almas dos que arrocham e se incomodam com saias curtas.

Estou redondamente enganado ou TENTAÇÃO foi encomenda? Não há quem não diga que as artes ali narradas – as perversas e as amorosas – não sejam a reprodução do modus vivendi desta menina linda, que é, sim, uma verdadeira tentação, no que há de gozo e sofrimento nesta condição. Ricardo sabia do que estava falando: fez algo que assemelha em gênero, número e grau ao rizo: urbana, noturna, metropolitana, expansiva e (in) deletéria. Só uma nota: esse baixo de PP está destrutivo; é um componente que encerra: é um tsunami capaz de suspender o Japão.
Tom Jobim foi revisitado com uma originalidade inigualável em OUTRA METADE, que queima e arde meus tímpanos com a beleza plástica e a sentimentalidade latente ali presente. Linda. Extraordinária. Apoteótica e.. simples. Faltou-me oxigênio. Me vi assim, como em Ilha de Mim, só na multidão. Naveguei nas teclas do piano e voltei ao tempo que passávamos as tardes, sós, no velho auditório da UESB, tocando aquele piano que já tinha o seu cheiro, o seu sabor.

DOIS DESTINOS tem uma melodia que parece querer transportar-nos a eras longínquas da existência. Mas, para ser bastante sincero, merecia uma letra melhor. Por isso, paro por aqui. Amei DESLIGUE A LUZ. Ouvi o quanto pude. Você estava inspiradíssima na gravação. Música, poesia e intérprete se fundiram numa musicalidade fascinante. Jazz, blue e forró: foi a mais nova semente da flor no meu presente.

OLHOS DE RIZO, olhos de lince: ali é evidente o dedo inspirador de Luciano PP. É uma viagem musical que transporta a luz do expresso 2222. Rasgar a voz foi uma necessidade numa poesia que grita por um amor? Esi aqui o resultado perfeito de uma união cuja vitalidade reside na sensibilidade e na simplicidade, primas-irmãs da beleza.

INDECISÃO é mais uma canção claudiniana, por excelência. Vislumbrei tantas coisas boas naquele curto espaço de tempo que me vi compelido a lançar-me outras vezes ao mesmo ambiente musical: quando absurdamente exaurido, fugi pra QUIZUMBA. Esta, sim, feita para fechar com chave de ouro o já aurífero CD. Espantosa criação humana, senti-me em verdadeiro estado de reencontro com nossa afro ancestralidade. Curvei-me à beleza por sabê-la fruto de encontros venturosos.

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