quinta-feira, 29 de maio de 2008

Nina Simone: música e política


A tendência natural do homem de classificar seres e coisas sempre existiu. É bem mais simples lidar com a idéia de agrupamento, quando os rótulos determinam perfis e condutas. O problema é quando algo foge do previsto. Ou quando é múltiplo, ou seja, inclassificável. Assim é Nina Simone, no mínimo difícil de se definir. Você deve ter ouvido dizer que seu estilo é jazz. Sim, mas também é soul, blues, gospel, folk, pop e tantas outras variações que só mesmo uma artista como ela poderia desenvolver. Não se trata apenas de mais uma bela voz – belíssima, por sinal. É toda uma conduta e um posicionamento diante da vida que a tornam uma mulher tão especial.

Se hoje a situação para a comunidade negra norte-americana não é das mais fáceis, imagine no início do século vinte. Nina Simone, que veio ao mundo como Eunice Kathleen Waymon, nasceu em 1933, período em que a questão racial ainda não era discutida abertamente, só sentida. Portanto, a segregação era ostensiva e os negros não possuíam voz ativa, apenas sentiam o peso da opressão. Imagine o impacto causado por uma garota negra e pobre fazendo parte da conceituada e conservadora Juilliard School of Music, de Nova York. Em plenos anos 50 Nina tornou-se uma das primeiras mulheres negras a estudar piano na instituição. Foi apenas uma das barreira a serem vencidas.

A carreira da musicista estaria praticamente definida, com o talento nato e um início promissor. Eu disse estaria, porque o destino de Nina previa outros caminhos. Além de trabalhar como acompanhante, conseguiu outro emprego como cantora num bar em Atlantic City. Era o momento de Eunice Waymon dar lugar a Nina Simone, em homenagem a atriz francesa Simone Signoret. Ela nem imaginava o que estava por vir.

O sucesso na noite rendeu a gravação de um álbum no final dos anos 50. Uma canção em especial tornou-se hit, “I Loves You, Porgy”, da ópera "Porgy and Bess", de George Gershwin. Ficou de cara no vigésimo lugar das paradas, um dos poucos da sua carreira. Os anos 60 foram tempos férteis para o nosso alvo. Contratada pela gravadora Phillips, gravou de tudo um pouco, de canções francesas a israelenses, ao jazz de Duke Ellington. Deu seu toque em hits como "Don't Let Me Be Misunderstood” e "I Put a Spell on You", que por sinal, influenciou os Beatles no vocal de Michelle. Após algumas mudanças de gravadora, já na década de 70, Nina se separa do seu marido e empresário e resolve dar uma guinada geral.

Cansada da peleja do preconceito racial e com o show business, começa uma vida meio cigana. Mesmo com problemas financeiros, mudou-se para Barbados e depois para Libéria, na África, Suíça, França e Inglaterra. Continuou produzindo e compondo, porém sem que os holofotes a alcançassem. Graças a um comercial de perfume Channel, na década de 80, Nina praticamente ressurge, com a canção "My Baby Just Cares for Me", hit instantâneo. Daí em diante, seu talento voltou a ser reconhecido e gravou com Deus e todo mundo. Dividiu palcos e estúdios como Pete Townsend, ex- The Who, Miriam Makeba, Maria Bethânia, veio 6 vezes ao Brasil, fez trilha para cinema e muito mais. Virou estrela em 2003 aos 70 anos de idade, de causas naturais, em sua casa no sul da França.

O ativismo político esteve presente em todos os trabalhos de Nina Simone. Sua luta pelos direitos civis dos negros foi intensa a ponto de faze-la deixar a terra natal, os Estados Unidos, por discordar da situação. Uma das canções mais marcantes nesse sentido foi Mississippi Goddam. A letra dura fala do não menos leve episódio do atentado à bomba em uma igreja batista no Alabama, causando a morte de 4 meninas negras. Era época do terror da Ku Klux Klan. Sobre a morte do líder Martin Luther King, escreveu “Why? The King of Love is Dead” ou “Por que o rei do amor está morto” e vários outros temas. Sua vida foi retratada na biografia I Put A Spell On You e em breve ganhará as telas de cinema. A escolha da atriz principal parece ter sido acertada, com cantora Mary J. Blige. Além de ser uma artista acima de qualquer suspeita, tem outras semelhanças com Nina Simone, como fato de ser também empresariada pelo marido e de defender os direitos civis.

*DOSSIÊ NINA SIMONE
Produção: Cássia Magalhães
Apresentação: Michelle Bruck

'I Put A Spell On You'. Nina Simone (1968)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Mart'nália: swingue do samba


É preciso mais que talento para, em alguns anos de carreira, reunir sobre si o respeito e o entusiasmo de nomes como Martinho da Vila, Caetano Veloso e Maria Bethânia. É preciso mais que nome para, a cada trabalho, fazer surgir como clássicos novas canções e compositores, e ao mesmo tempo prestar reverência originalíssima aos mestres do samba e afins, dentro da generosa árvore genealógica musical brasileira.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Tracy Chapman - "fest car"


Tracy Chapman (Cleveland, Ohio, 30 de março de 1964) é uma cantora uranista de música pop, rhythm-and-blues jazz soul norte-americana, vencedora por diversas vezes do Grammy, tornada mundialmente famosa por suas canções "Baby Can I Hold You", "Fast car" e "Bang bang bang"

Guitarrista e compositora desde criança, ingressou no programa "A Better Chance", voltado a identificar nacionalmente crianças negras talentosas para o desenvolvimento acadêmico, o que lhe permitiu freqüentar a Wooster School, em Connecticut e posteriormente a Tufts University, em Medford (Massachussets).

Em maio de 2004, a Tufts University concedeu-lhe o título de doutora honoris causa em Belas-artes, por sua contribuição como uma artista socialmente engajada e por suas realizações artísticas.

Ainda durante a faculdade, Chapman começou a apresentar-se nas ruas, tocando seu violão em cafés de Cambridge, Massachussets. Enquanto esperava sua graduação acadêmica, assinou contrato com a SBK Records, em 1988, lançando seu primeiro álbum, intitulado "Tracy Chapman" - que foi logo aclamado pela crítica, e ela passou a realizar tournês e conquistar o público. Após sua aparição num programa de TV, em homenagem aos setenta anos de Nelson Mandela, em junho, sua música "Fast Car" alcançou o topo das paradas nos Estados Unidos, ficando entre as 10 mais executadas da lista da Billboard Hot 100, enquanto outras faixas também ficavam entre as mais ouvidas, "Baby Can I Hold You" entre estas.

O disco vendeu bem, alcançando vários certificados de vendagem da RIAA (discos de platina), e fazendo-a vencer no ano seguinte (1989) quatro Grammy Awards, inclusive a de melhor artista revelação.

Chapman tornou-se, depois disto, uma artista ligada à Anistia Internacional, participando da tour "Human Rights Now!". Segundo algumas fontes, Chapman tornou-se uma das mais influentes artistas no meio universitário norte-americano, nos anos 80.

Seu álbum seguinte, Crossroads (1989), não teve o mesmo sucesso comercial. Em 1992, quando lançou seu trabalho seguinte - Matters of the Heart - seu público era restrito a fãs dedicados. Apesar de todos acreditarem ter encerrado sua carreira, surpreendeu os analistas em 1995, com New Beginning, que vendeu mais de 3 milhões de cópias apenas nos EUA, e rendeu-lhe um Grammy, em 1997, de melhor canção de rock.

Em 2000 Telling Stories foi um álbum com músicas mais voltadas para o rock que para o estilo pop, que até ali seguia. A música-título do disco foi bastante executada nas rádios européias, e em alguns segmentos norte-americanos. O sexto álbum foi Let It Rain, de 2002, que Chapman divulgou em tournê pela Europa e EUA em 2003.

Where You Live, sétimo álbum da cantora, foi lançado em setembro de 2005. Com este trabalho realiza excursões pelos EUA e Europa.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

120 anos de abolição: o que se passou?

O que passou? Apenas o tempo, mas as condições de vida para a etnia negra e afrodescendente pouco ou quase nada mudaram na vida da maioria desta população!

O que ficou? Uma grande repetição exploradora e muitas lições a serem aprendidas por toda a nação!

O que se realizou? Nem todos os sonhos desejados se realizaram, contudo a esperança e a bravura nunca perderam o seu espaço na luta intensa dos anônimos/as da população negra desta terra!

O que se aprendeu? Nunca houve qualquer concessão, só após as lutas houve conquistas e que na comunidade não se perde a identidade!

O que este povo nunca esqueceu? O valor da experiência coletiva e comunitária, pois sempre que se individualizou sofreu o mau agouro da solidão e da exploração e que a consciência não é mágica, mas que deve ser ensinada e aprendida a cada dia do nascer ao por do sol!

O que se viu? Tristes histórias que se sucedeu em diferentes lugares do país, mas também o heroísmo anônimo que quebraram correntes e prisões incomensuráveis!

Quem ficou? Heróis pouco conhecidos, mas com a bravura de serem tão importantes que nem o silêncio, nem a omissão arquitetada durante séculos conseguiram extingui-los! Valeu Zumbi!

Onde ficou? Nas ruas calçadas das cidades coloniais, nas construções de paredes largas de dezenas de cidades históricas em todo este país, na força do trabalho negado, na riqueza que foi apropriada nas mãos da elite, na ausência política, sócio-econômica e educacional que hoje clama por justiça e dignidade!

Qual ritmo dançou? Dançou a musicalidade de todos os sons, pois a arte do movimento, da ginga, do passo e do compasso, da harmonia sempre foi ouvida com sensibilidade desde a época dos primeiros e mais sábios ancestrais da África e o contato com a madeira, com o couro, com os metais é musical!

Que alimentos comeu? Não só comeu, como também ensinou a comer a força das plantas, das raízes, das folhas, das carnes, dos cozidos e assados que a natureza graciosamente oferece!

Que fé cultuou? A força do AXÉ! Que conta a história sensível e profunda de como que a espiritualidade perpassa a todas as coisas das mais simples às mais complexas e que a relação entre cada ser vivo e o coletivo é belo e precisa ser respeitada, nos seus ciclos e manifestações!

Por que 120 anos em doze perguntas? Porque a matemática é simples, precisa e pode ser sempre multiplicada por 10 (dez), representando assim cada questão a proporção de uma década, mas que inspira o desejo de um novo movimento onde não se necessite esperar outros 120 anos para que tenhamos mais vida, mais igualdade sócio-econômica, mais respeito, mais escolaridade, mais cidadania. Queremos um tempo breve para que todos vivam como gente!

Professor Uene José Gomes- CEAB/UCG

O arquiteto de pesadelos

Há quinze dias. Quinze. Religiosamente, sucessivamente, dolorosamente, sonho com a morte. Não com a morte exatamente, a velha com a foice e enxada; mas com o espírito da morte, ou tudo aquilo que compõe o cenário da morte. Rigorosamente. Quinze dias, sem falha de um sequer. Quinze: cemitérios, cortejos fúnebres, covas, catacumbas, defuntos, procissões, enterros, lamentos, choros, carpideiras, cemitérios, defuntos, cortejos, catacumbas... Quinze dias de sonhos.

Eles vêm em capítulos, mas a fotografia é a mesma; é o mesmo diretor, o mesmo fundo musical: um silêncio a la Peter Gast; é sempre o mesmo roteiro inacabado. No último episódio, uma amiga me conduzia numa bicicleta cargueira pelas ruas de uma cidade estranha cujo colorido transitava entre a “Lista de Schindler” e “A Vida é Bela”; imensos portões de ferros abrigam estátuas antigas, de olhares vagos e semblantes monótonos. Um cortejo fúnebre invade a rua de asfalto úmido e vozes vestidas de branco entoam um cântico de lamento profundo: e um solitário camelo o esquife conduz. A morte parece-me, neste sonho em particular, muito mais trágica que nos episódios anteriores, pois que os que conduzem o morto são também almas depenadas, mas vivas; são espelhos de gente, tatuagens de vida; os lamentos são mais uma auto-piedade que saudade do morto verdadeiro; inadvertidamente, a cargueira avança sobre a procissão das almas e nós – em cujos semblantes pairam ares de zombaria e desprezo – estamos cara a cara com o defunto. Eu e a amiga Cláudia estamos despertos daquela dor, mas o ambiente é de uma atmosfera pesada e nossos corpos parecem ser impelidos a abandonar o local, que não nos pertence.

Em outro episódio, estou acompanhado de duas pessoas que me guiam ao cemitério localizado na praça Tancredo Neves, onde as cruzes são pequenas e as covas, devidamente cobertas pela vegetação, sem ondulações no terreno, sem sinais. Indago ao cicerone por que três nomes na mesma cova e o sujeito-obscuro esclarece que os dois primeiros foram retirados para dar lugar ao meu pai. Não me estranha o fato. Vislumbro sem qualquer sentimento as demais covas, que adivinho existirem, pois que não visíveis, e saio andando pelas avenidas da cidade. Não há fundo musical, nem sentimento de dor, nem riscos. Apenas a informação. Sei que ali, na praça Tancredo Neves, há mortos de todas as origens que se sucedem no terreno, abrigando-se nos abrigos uns dos outros, uma irmandade de mortos saudáveis.

Em certo sonho – confesso – doeu-me não encontrar o caminho da cidade. O sentimento de aventura deu lugar ao desespero. Amigos-obscuros, mas amigos, seguiam-se numa jornada composta de risos histéricos, típicos de dores inconfessáveis. A mim não me restava dúvidas quanto ao rumo da cidade, mas por sobre as catacumbas de um cemitério imenso o céu parecia maior; eram tumbas imensas, cimentadas de cima a baixo, sem quaisquer inscrições de nomes ou datas; cada uma parecia comportar famílias inteiras, de épocas distantíssimas, muito distantes; foi neste capítulo que achei a saída: Vitória da Conquista era vislumbrada numa distância magnífica, mas o fato de poder vê-la dera-me alento inédito e Drummond erguia das trevas seu canto doido, “não cantes a tua cidade”; senti-me encorajado a permanecer com os obscuros nos jardins dos mortos, podendo enxergar a cidade na distância descomunal, mas tão próxima e tão quente, e tão pálida, e tão fria...

O xadrez fez-me companhia neste que foi o episódio mais hilário e amedrontador, pois que o defunto, esquartejado, tinha os grandes olhos abertos sobre mim e esboçava uma verdade que teimava em não abandonar seus lábios roxos. O Cemitério da Saudade e sua capela estavam vazios quando entrei; um minuto depois estavam agrupadas inúmeras pessoas que choravam e riam enquanto lembravam as aventuras de um morto que não pude ver. À medida que eu tentava escapar da bestialidade, o ambiente se tornava ainda mais insuportável, uma zombaria irritante; doía-me principalmente a impotência de meu corpo e a indiferença dos demais. Uma indiferença cínica, uma indiferença mal-intencionada, que parecia querer dizer algo sobre mim; o som dos risos impregnaram as paredes cinzas e as vozes e os choros emanavam das paredes e dos tetos; tudo ali era desespero e riso e um morto que não tinha corpo, que não existia, num ritual macabro de histeria coletiva.

Ontem, ao dormir, fiz questão de projetar as imagens que queria ver nos sonhos; arquitetei meu pesadelo. Mas acordei suando frio. Fui ao banheiro lavar o rosto numa água gélida e, aos poucos, vieram-me à mente as imagens do sonho: eram cemitérios de andares, prédios que abrigavam mortos que falavam entre si numa linguagem inatingível. Aos poucos, a mente abria janelas e os sonhos iam clarificando o juízo. Eram quatro e quarenta da manhã; olhei pela janela da rua e uma densa neblina cobria a serra do periperi; no meu bicama, sentado, ouvi uma meia hora de Mozart e voltei à cama. Adormeço e retomo o mesmo sonho na mesma cena onde havia acordado; um sentimento de vazio pleno abocanhou-me: as vozes sumiram e o cinza-morto das paredes era amedrontador. Cemitérios gigantescos de andares, ruas desertas e um desejo de ser éter. Luzes mortas, céu escuro – embora dia – e ausência completa de vida humana.

CRÔNICA: “Vou morrer”

Por Luiz Cláudio Sena (foto)
Vou morrer. Aos poucos, a idéia da morte vai se acomodando. Aos poucos, saber-me efêmero vai se transformando numa constatação indolor. Aos poucos, por uma certa aproximação – cumplicidade ou co-gestão – com o processo criativo universal (ok, chamai-o de Deus), meio que vou me convencendo de que também eu estou submetido à grande regra: fenecer.

Vou morrer. Olho para trás e vejo que as múltiplas, diversas e complexas perguntas feitas a mim mesmo e ao mundo ao meu redor começam a ser respondidas, não pela leitura dos filósofos, não pelo estudo da cultura oriental e de sua religião, não pela meditação, mas por mim mesmo, inconscientemente. Aos poucos, ao invés de obter respostas, subtraio perguntas. Aos poucos, toda a inquietação se transforma numa confluência, coesão com o todo. Aos poucos, a Verdade, que busquei, me busca.

Aos poucos, a resposta, tantas vezes escorregadia, enrosca-se em meu pescoço, cachecol em linha de tricô.

Vou morrer. E me irmano com meus ídolos. Dentro em breve – para a história, o que são 100 anos? – dentro em breve estarei com Ele. Mas Ele já está comigo. Dentro em breve, deixo de ser protagonista, exclusivista, egoísta, narcisista, para ser tudo, todos, total. Dentro em breve, esta sensação de agora – nirvana é a sensação – vai consumir-me todo, vai envolver-me todo, e todo me fará viver.
Vou morrer. E só agora, quando deixo de lado toda a seriedade, é que vejo o quanto essa brincadeira é séria. Só agora, pleno, posso revoltar-me, encolerizar-me, reivindicar, gritar, humanizando-me, emocionando-me, permitindo-me, ignorando-me. Só agora, “onde vês eu não vislumbro razão”.

Vou morrer. E já formulo – data vênia, Senhor Deus – uma revisão no modelo operacional em uso no universo. Algumas leis universais merecem ajustes, adendos, emendas. Talvez burocratize um pouco, mas alguns ritos podem ser sistematizados, sem prejuízo algum à idéia central da Criação.

Vou morrer. E só agora, quando completo 32 anos, vejo que faço 31. Em janeiro de 2008, hei de completar 30. Nesse ritmo, em 2045 volto a sonhar.

Vou morrer. Vou me deitar no colchão macio da Verdade e dormir profundamente. E vou sonhar com a nova Vida que me espera, e me preparar para minha segunda morte, para acordar para uma nova vida, e me preparar para minha terceira morte, para acordar para uma nova vida, e me preparar para minha quarta morte, para acordar para uma nova vida, e me preparar para...

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Bob Marley - Is this love


Seu verdadeiro nome era Robert Nesta Marley. Divulgou o reggae jamaicano no Ocidente sem fazer concessões à música comercial. Suas gravações, iniciadas em 1961, caracterizavam-se pelo ritmo da música e pela crítica social, que falava da repressão aos negros, sobretudo na Jamaica. Seu primeiro sucesso internacional, com a banda The Wailers, em 1975, foi No, Woman no Cry. Seguiram-se outros como I Shot the Sheriff, famosa pela interpretação de Eric Clapton, e o combativo Get up, Stand up. Músico carismático e praticante do culto rastafári, foi aclamado em seus concertos na "Babilônia", apelido dado à Europa e aos Estados Unidos, civilizações cujo destino, segundo ele, seria um ocaso definitivo. As gravações desses concertos estão no álbum Babylon by the Bus (1978).

Don't Worry, Be Happy (Bob Mcferrin)

Nelson Cavaquinho - "vou partir"



Vou Partir (cifra para violão)
Tom: F

F Abº Gm7
Vou partir
E7 F
Não sei se voltarei
Am7 D7 Gm Gm7
Tu não me queiras mal
Bbm6 C7 F C7
Hoje é carnaval
F Dm7 Gm7 C7
Partirei para bem longe
Gm7 D7 Db7 C7
Não precisas se preocupar
Cm7 F7 Bb7M Bb6
Só voltarei pra casa
G G7 C7
Quando o carnaval acabar, acabar

Jongos, calangos e folias. Música Negra, memória e poesia

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Kabengele Munanga: A difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil


PARA O ANTROPÓLOGO Kabengele Munanga, professor-titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, não é fácil definir quem é negro no Brasil. Em entrevista concedida a ESTUDOS AVANÇADOS, no último dia 13 de fevereiro, ele classifica a questão como “problemática”, sobretudo quando se discutem políticas de ação afirmativa, como cotas para negros em universidades públicas.“Com os estudos da genética, por meio da biologia molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente brancos trazem marcadores genéticos africanos, cada um pode se dizer um afro-descendente. Trata-se de uma decisão política”, afirma.

Kabengele Munanga é atualmente vice-diretor do Centro de Estudos Africanos e do Museu de Arte Contemporânea da USP. Nasceu em 19 de novembro de 1942 no antigo Zaire, onde recebeu sua educação primária e secundária. Sua educação superior ocorreu em seu país natal, de 1964 a 1969. Foi o primeiro antropólogo formado na então Université Officielle du Congo, em Ciências Sociais (Antropologia Social e Cultural). No mesmo ano em que se graduou, recebeu uma bolsa do governo belga, como pesquisador no Museu Real da África Central, em Tervuren e como aluno do programa de pós-graduação na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Essa bolsa foi interrompida em 1971, por questões políticas, antes da conclusão de seu doutorado.

Em julho de 1975, veio ao Brasil com uma bolsa da USP, a fim de continuar seus estudos. Defendeu sua tese em 1977. No mesmo ano, voltou a seu país, mas não conseguiu permanecer lá por muito tempo. Regressou ao Brasil em 1979, para trabalhar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em 1980, iniciou a segunda fase de sua carreira na USP. Em 2002, o governo brasileiro concedeu a Kabengele Munanga o diploma de sua admissão na Ordem do Mérito Cultural, na classe de Comendador.

Participaram da entrevista com Kabengele Munanga, o editor de ESTUDOS AVANÇADOS, professor Alfredo Bosi, e o editor assistente, jornalista Dario Luis Borelli.

ESTUDOS AVANÇADOS – Quem é negro no Brasil? É um problema de identidadeou de denominação?

Kabengele Munanga – Parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparênciade branco, a pessoa pode se declarar como negro. No contexto atual, no Brasil a questão é problemática, porque, quando se colocam em foco políticas de ações afirmativas – cotas, por exemplo –, o conceito de negro torna-se complexo. Entra em jogo também o conceito de afro-descendente, forjado pelos próprios negros na busca da unidade com os mestiços. Com os estudos da genética, por meio da biologia molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente brancos trazem marcadores genéticos africanos, cada um pode se dizer um afro-descendente. Trata-se de uma decisão política. Se um garoto, aparentemente branco, declara-se como negro e reivindicar seus direitos, num caso relacionado com as cotas, não há como contestar. O único jeito é submeter essa pessoa a um teste de DNA. Porém, isso não é aconselhável, porque, segui
ndo por tal caminho, todos os brasileiros deverão fazer testes. E o mesmo sucederia com afro-descendentes que têm marcadores genéticos europeus, porque muitos de nossos mestiços são euro-descendentes.

ESTUDOS AVANÇADOS – Em face da concessão de cotas para negros, ou para outros segmentos da população que não tiveram a mesma condição de cursar escolas da classe média ou alta, qual a sua posição?

Kabengele Munanga – Por ocasião dos trezentos anos da morte de Zumbi dos Palmares, em 1995, começamos a discutir essa questão na USP, numa comissão criada pela reitoria. Os movimentos negros, principalmente o Núcleo da Consciência Negra, pleitearam o estabelecimento de cotas em nossa universidade. Contudo, afirmei que não poderíamos discutir o sistema de cotas sem antes fazer uma pesquisa preliminar em países que já têm experiência de cotas, como os EUA, o Canadá, a Austrália ou a Índia. Naquela ocasião, apresentei essa proposta, mas ela não foi levada adiante. No entanto, na base de um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), um órgão do governo federal, conclui-se que realmente há uma grande defasagem na escolaridade dos negros nas universidades brasileiras. Infelizmente, porém, começamos a enfrentar a questão pelas cotas, a partir da decisão do governador Anthony Garotinho, do Rio de Janeiro, que provocou uma confusão muito grande, quando estabeleceu cotas nas universidades estaduais. No entanto, mesmo num país com tantas desigualdades, as políticas universalistas não resolvem o problema do negro. Para isso precisamos formular políticas específicas contra as desigualdades, mas o caminho não deve ser necessariamente por meio de cotas. Essa discussão, todavia, é importante, porque antes nem se tocava no assunto. Escutei outro dia algo muito positivo quando alguém dizia que deveria haver cotas para pobres. Ora, antes ninguém apresentou esse ponto de vista. O que mais me surpreende é que jamais o movimento negro se disse contrário a cotas para brancos pobres. A questão ainda está mal discutida, sendo formulada num tom passional, tanto pelos negros como pelos intelectuais. A questão não é a existência ou não das cotas. O fundamental é aumentar o contingente negro no ensino superior deboa qualidade, descobrindo os caminhos para que isso aconteça. Para mim, as cotas são uma medida transitória, para acelerar o processo. No entanto, julgo que não somente os negros, mas também os brancos pobres têm o direito às cotas. Se as cotas forem adotadas, devem ser cruzados critérios econômicos com critérios étnicos. Porque meus filhos não precisam de cotas, assim como outros negros da classe média.

ESTUDOS AVANÇADOS – O sr. iniciou suas declarações dando uma opinião contra as cotas, mas agora aponta para o problema da urgência. As cotas aparecem como uma medida de urgência?

Kabengele Munanga – Sim. Ao menos que o país diga que tem hoje uma outra proposta emergencial melhor, que não abra mão de uma política universalista com vistas ao aperfeiçoamento do nível do ensino básico. É bom lembrar que a escola pública já apresentou melhor qualidade, mas o negro e o pobre não entravam nela.Melhorar a escola pública

ESTUDOS AVANÇADOS – O sr. acha que a médio prazo a alternativa seria uma transformação mais profunda do ensino básico e secundário? Um número considerável de alunos negros faz o segundo grau em escolas públicas. Não falo deles como negros, mas sim como pobres. Será que as cotas não resolvem o problema porque o enfrentam no fim da linha, em vez de atacá-lo no começo?

Kabengele Munanga – Sim. Porém, vivo aqui há 28 anos e desde que cheguei escuto esse discurso. Mas nunca vi luta política e social alguma para a melhoria da escola pública. Só há o discurso. Mas o que fazer com a vítima? Esperar que isso aconteça por milagre, ou pressionar a sociedade através de uma proposta: como pelo menos cuidar da escola pública? A dúvida que tenho é a seguinte: num país onde a privatização do ensino é cada vez maior e no qual o lobby das escolas particulares é tão forte, só posso antever uma melhoria a longo prazo. Lembro-me de que o primeiro processo contra as propostas de cotas no Rio de Janeiro veio do sindicato das escolas privadas. Devido a essa tendência para a privatização das escolas públicas, não acredito numa rápida melhoria delas. A desigualdade social que existe há quatrocentos anos não pode ser resolvida por meio de políticas universalistas. É preciso, portanto, traçar políticas específicas para se encontrar uma solução. A discriminação racial A palavra “social” incomoda-me muito. Quando dizem que a questão do negro é uma questão social, o que quer dizer “social”? As relações de gênero são uma questão social; a discriminação contra o portador de deficiência é uma questão social; a discriminação contra o negro é uma questão social. Ora, o social tem nome e endereço. Não podemos diluir, retirar o nome, a religião e o sexo e aplicar uma solução química. O problema social tem de ser atacado especificamente. A discriminação racial precisa ser urgentemente enfrentada. Nós, negros, também temos problemas de alienação de nossa personalidade. Muitas vezes trabalhamos o problema na ponta do iceberg que é visível. Mas a base desse iceberg deixa de ser trabalhada. Estou aqui, como disse, há 28 anos. Vou a restaurantes utilizados pela classe média e a centros de alimentação nos shoppings. Encontro famílias brancas comendo (homem, mulher e filhos), mas dificilmente estão ali famílias negras. Há uma classe média negra, mas que se autodiscrimina e que é também discriminada. Desafio vocês a me dizerem que encontraram quatro famílias negras em cinco restaurantes de classe média em São Paulo. Vejamos o meu caso: em meu segundo casamento (que é interracial) percebia aquelas “olhadas” – mulher branca, filhos negros do primeiro casamento e filhos mestiços do segundo. Ninguém me expulsava desses lugares, mas eu via as “olhadas”...

ESTUDOS AVANÇADOS – A USP está completando setenta anos e gostaria que o sr. falasse sobre as principais linhas de pesquisa sobre gênero e raça na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Kabengele Munanga – Até onde eu saiba não há uma linha de pesquisa sobre gênero e raça. Há um núcleo de estudo da mulher, dirigido pela professora Eva Blay. De vez em quando ela convida alguma jovem pesquisadora negra. Talvez exista uma explicação histórica para isso, porque normalmente quem estuda esse tema são as mulheres. Mas, não temos professoras negras de sociologia ou de antropologia na Universidade de São Paulo. Entrei nela em 1980, como professor, e nunca mais houve um outro professor negro no Departamento. Lembro-me do dia em que Florestan Fernandes recebeu o título de professor emérito e eu estava na fila para cumprimentá-lo. Eu não sabia que ele me conhecia. Por isso assustei-me quando ele me disse que estava muito contente com a minha presença naquela solenidade. Pois fora informado de que ali estava um negro que nem era brasileiro. Um antropólogo em dois mundos

ESTUDOS AVANÇADOS – O sr. poderia descrever um pouco sua trajetória até chegar no Brasil?

Kabengele Munanga – Nasci no antigo Zaire, que hoje se chama República Democrática do Congo, numa aldeia no centro do país. Estudei num colégio interno de jesuítas e fiz graduação em Antropologia. Aliás, fui o primeiro antropólogo formado naquela universidade e o único aluno que teve aulas com professores franceses, belgas e americanos convidados, pois não havia ainda professores africanos na Universidade quando eu entrei Lá, nós acabávamos a graduação com um tipo de dissertação que se chamava Mémoire. O sistema belga dava o direito de se entrar diretamente no doutorado. Em razão disso, comecei o doutorado em Louvain, na Bélgica, em 1969. Dois anos depois, voltei para pesquisas de campo. Mas houve complicações políticas. Cortaram a bolsa e não pude fazer mais nada. Por coincidência, encontrei no Congo, em 1973, o professor Fernando Mourão, que ali estava realizando palestras sobre as contribuições africanas para a cultura brasileira. Conversamos e ele me disse que a USP possuía um projeto de cooperação com as universidades africanas e que nela eu poderia completar o doutorado. Cheguei aqui em 1975 e me inscrevi no doutorado, sob a orientação do professor João Batista Borges Pereira. Como eu estava bastante adiantado, em dois anos defendi minha tese. Trabalhei sobre o processo de mudanças socioeconômicas numa comunidade no sul do Congo. Voltei correndo à militância para colocar meus conhecimentos à disposição de meu país. Mas quando cheguei lá, tive de fugir para o Brasil. Quando houve a independência do meu país, o antigo Zaire (em 30 de junho de 1960), eu estava com dezoito anos. A Faculdade foi criada pela Bélgica, seis anos antes da independência, em conseqüência de pressões internacionais. Fui alfabetizado na minha língua materna, mas no fim do primeiro grau começou o ensino em francês. O resto do curso foi em francês. Isso porque, com mais de duzentas línguas, não era possível escolher uma para ser a língua nacional. Todos os alfabetizados falam francês.

ESTUDOS AVANÇADOS – Alguma dessas línguas africanas é hegemônica?

Kabengele Munanga – O suahili que é uma língua falada em muitos países africanos, em parte do Zaire, Tanzânia, Burundi, Quênia e Uganda.

ESTUDOS AVANÇADOS – Suahili tem alguma coisa a ver com o árabe?

Kabengele Munanga – Cerca de vinte por cento do vocabulário, porque desde a Antigüidade os árabes tiveram muita influência no continente, a partir do oceano Índico, além de terem sido responsáveis pelo tráfico oriental e transaariano (entre os anos de 600-1600). Mas a estrutura da língua é totalmente bantu (africana).