
"A nossa História não está restrita ao nosso território", afirma o autor. Tendo o Atlântico Sul como ligação, a trajetória do Brasil dos séculos XVI e XVII está intimamente ligada à de Angola. Com uma ocupação portuguesa efetiva, esse país teve seus reinos independentes dizimados e limitou-se a desenvolver uma economia complementar à brasileira. A prioridade era o fornecimento de escravos para o mercado brasileiro, e atividades que pudessem concorrer com a agroindústria exportadora do Brasil não eram incentivadas. Sob esse aspecto, Alencastro sustenta que o Brasil, tradicionalmente visto como um país explorado, também explorou. "Angola foi pilhada pelos brasileiros, ou pelos colonos deste enclave lusitano", afirma o historiador. Isso ocorreu por meio de guerras com o intuito de aumentar o tráfico de escravos.
A dinâmica de ligação entre os dois pólos pelo tráfico negreiro gerou conseqüências para o Brasil contemporâneo. Alencastro afirma que a agressividade do tráfico no Rio de Janeiro pode ser um exemplo de como os maus tratos aos escravos podem estar ligados à violência atual. "Mais da metade da população do Rio de Janeiro no século XIX era de escravos, fato que não existiu em nenhum lugar do mundo."
A tese exposta por Alencastro em O Trato dos Viventes começou a ser desenvolvida em 1986, durante seu doutoramento pela Universidade de Paris-Nanterre, sob supervisão do professor Frédéric Mauro, e foi amadurecida durante anos. Seu livro, publicado pela Companhia das Letras, estava sendo aguardado com expectativa no meio acadêmico. Mas o autor evita ser comparado a outros grandes estudiosos da formação do Brasil, como Sergio Buarque de Hollanda ou Caio Prado Júnior. "Não tenho pretensão alguma em relação a isso", nega ele.
Texto: Mara Figueira/Ciência Hoje
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