quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Livro resgata importância histórica das relações com Angola na formação do país

O Trato dos Viventes - Formação do Brasil no Atlântico Sul, do historiador Luís Felipe de Alencastro, professor titular da Universidade de Paris-Sorbonne, mostra em 528 páginas que a formação de nosso país teria sido engendrada em grande parte na África Central. Alencastro defende que, nos séculos XVI e XVII, o Brasil foi um pólo de produção escravista dependente e organicamente ligado a Angola, um outro pólo produtor de mão-de-obra escrava para a agricultura brasileira. A formação do Brasil, portanto, seria um resultado da relação entre esses dois países.

"A nossa História não está restrita ao nosso território", afirma o autor. Tendo o Atlântico Sul como ligação, a trajetória do Brasil dos séculos XVI e XVII está intimamente ligada à de Angola. Com uma ocupação portuguesa efetiva, esse país teve seus reinos independentes dizimados e limitou-se a desenvolver uma economia complementar à brasileira. A prioridade era o fornecimento de escravos para o mercado brasileiro, e atividades que pudessem concorrer com a agroindústria exportadora do Brasil não eram incentivadas. Sob esse aspecto, Alencastro sustenta que o Brasil, tradicionalmente visto como um país explorado, também explorou. "Angola foi pilhada pelos brasileiros, ou pelos colonos deste enclave lusitano", afirma o historiador. Isso ocorreu por meio de guerras com o intuito de aumentar o tráfico de escravos.

A dinâmica de ligação entre os dois pólos pelo tráfico negreiro gerou conseqüências para o Brasil contemporâneo. Alencastro afirma que a agressividade do tráfico no Rio de Janeiro pode ser um exemplo de como os maus tratos aos escravos podem estar ligados à violência atual. "Mais da metade da população do Rio de Janeiro no século XIX era de escravos, fato que não existiu em nenhum lugar do mundo."

A tese exposta por Alencastro em O Trato dos Viventes começou a ser desenvolvida em 1986, durante seu doutoramento pela Universidade de Paris-Nanterre, sob supervisão do professor Frédéric Mauro, e foi amadurecida durante anos. Seu livro, publicado pela Companhia das Letras, estava sendo aguardado com expectativa no meio acadêmico. Mas o autor evita ser comparado a outros grandes estudiosos da formação do Brasil, como Sergio Buarque de Hollanda ou Caio Prado Júnior. "Não tenho pretensão alguma em relação a isso", nega ele.

Texto: Mara Figueira/Ciência Hoje

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