terça-feira, 4 de dezembro de 2007

África do Sul: a miscigenação racial imposta às empresas

No início dos anos 1990, quando caiu o apartheid na África do Sul, 10% da população detinham 90% das riquezas do país. Desde então o poder político não pára de promover a transformação da economia, redistribuindo o capital e os empregos. Mesmo que nada na legislação seja realmente restritivo, ninguém pode escapar do Broad Based Black Economic Empowerment (BBBEE, mapa para o progresso econômico dos negros), a nova regra do jogo dos negócios na África do Sul.

Nenhuma lei obriga as empresas a se conformar, a não ser a do mercado, que cria um fenômeno de contágio. Segundo o governo, entre 1995 e 2005 mais de 1.300 contratos foram fechados e 285 bilhões de rands (27 bilhões de euros) mudaram de mãos brancas para negras.

No início só as empresas que assinavam contratos com o Estado precisavam cumprir certo número de critérios, sendo o primeiro que uma parte de seu capital fosse detida por acionistas negros - incluindo indianos e mestiços. Elas também deviam provar sua capacidade de oferecer oportunidades de emprego e de carreira a essa categoria de empregados. Outra cláusula provocou o efeito dominó: essas empresas são obrigadas a demonstrar que, ao terceirizar, favorecem as empresas negras. Portanto, mesmo que uma empresa não trabalhe diretamente com o Estado ela é indiretamente levada a se colocar em conformidade.

Desde fevereiro foi publicado um novo "scorecard", um boletim de avaliação das empresas em termos de promoção dos negros. Ele serve agora como documento básico. A nota global obtida permite classificar a empresa, do nível 8 ao 1, segundo seu grau de envolvimento no processo de transformação. "Está na hora de parar de fingir. Quando um cliente lhe pede seu boletim, você não pode responder eternamente que está trabalhando para melhorar", afirma Keith Levenstein, consultor especializado em BBBEE. Toda semana ele organiza seminários para ajudar as empresas a preencher esse documento.

Na sala, meia dúzia de executivos da Business Connection, nº 2 sul-africana de informática; o chefe de uma média empresa, fornecedora de queijo para os maiores hotéis do país; duas mulheres que chefiam uma pequena empresa de programas de informática e um sacerdote metodista. Cada um deles precisa se formar, compreender como funciona esse BBBEE. "Muitos patrões pensam que se trata de transferência de capital, mas está longe disso. Existem outras formas de ganhar pontos", explica o consultor.

No final dos anos 1990, no início do Black Economic Empowerment (BEE), tratava-se apenas de fazer entrar sócios negros no capital das empresas. O sistema foi extremamente criticado por enriquecer rápida e substancialmente um pequeno grupo de homens e mulheres de negócios próximos ao poder. Em quase todas as transações encontravam-se então os mesmos "big fat cats" [gatos gordos].

Essa era parece encerrada. Hoje há no novo boletim uma cláusula que concede pontos suplementares se o sócio BEE efetua sua primeira entrada no capital de uma empresa. Uma espécie de prêmio para os recém-chegados. A idéia do Broad Based BEE (BEE ampliado) é não se contentar com novos "capitalistas" negros e fazer o maior número de pessoas beneficiar-se dele. Se a transferência de capital pode dar cerca de 20 pontos, o emprego de executivos negros, sobretudo quando se trata de mulheres, e uma boa política de formação contínua podem dar mais de 30 pontos. Outra grande vantagem: as terceirizações. Quanto mais uma empresa dá trabalho a socieddes negras, mais pontos ela ganha. E recebe um bônus se essas firmas forem dirigidas por mulheres.
Ajudar uma jovem empresa negra a se desenvolver acarreta pontos. A Business Connection conseguiu o nível 4. Essa empresa cotada na Bolsa enviou executivos vindos de diversos serviços para participar do seminário organizado por Levenstein. O objetivo: descobrir como passar do nível 4 para o 3, pois, como explica um dos responsáveis, "hoje é um dos critérios de diferenciação da concorrência". Para Robert Foltan, o problema é outro. Ele ainda não tem boletim e somente cerca de 20 empregados. São dois acionistas que não têm interesse nem vontade de incluir um novo sócio: "Os grandes hotéis pedem meu boletim e eu me faço de surdo. Sei que eles mesmos não têm, mas não poderei fazer esse jogo eternamente".
Sheila, por sua vez, tem uma abordagem mais militante. Negra e co-diretora de uma editora de programas de computador, ela estima que adequar-se é "um dever moral, uma questão ética".
Mais surpreendente é a presença de John Roux, o sacerdote metodista: "Eu trabalho nos bairros pobres. Ajudo jovens a criar suas próprias empresas. Se uma grande empresa os apóia, ela marca pontos no boletim. Preciso compreender como, se eu quiser usar esse argumento para encontrar novos parceiros".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: Le Monde

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