Léopold Sédar Senghor, nascido em 1906 no Senegal, desenvolveu, além de atividades literárias, uma dupla trajetória como docente e político, tornando-se professor de Línguas e Civilizações Africanas na École de France d'outre-mer e, após exercício parlamentar, tornou-se presidente da República do Senegal. O percurso de suas obras teóricas é similar ao de alguns filósofos da libertação no que se refere à sucessão das temáticas. Em 1961 escreve Nação e Caminho Africano do Socialismo; três anos depois escreve Liberdade I, Negritude e Humanismo; em 1976, publica Para uma Releitura Africana de Marx e de Engels(9).
Comenta Aimé Césaire sobre a origem do conceito de negritude que sua criação "...correspondia a uma necessidade... o negro na França via uma espécie de assimilação diminuída em nome do universalismo que ameaçava suprimir todas as características nossas. Dito de outro modo, estávamos ameaçados por uma terrível depersonalização". Isso era muito grave em razão do momento histórico em que se debatia o problema da descolonização de povos dominados por países ocidentais. A negritude afirmava que o homem negro era tão homem quanto qualquer outro e que havia realizado obras culturais de valor universal, às quais os que empunhavam a negritude queriam ser fiéis. "Cada povo - diz Senghor - não desenvolveu mais que um ou vários aspectos da condição humana. A civilização ideal seria aquela que, como esses corpos assim divinos surgidos da mão e do espírito do grande escultor, reunisse as belezas reconciliadas de todas as raças".
Senghor foi um dos maiores divulgadores da negritude, que se consolidava como um movimento cultural de resgate/construção da identidade negra, buscando desvelar a alma negra cuja característica essencial seria a emoção: "A emoção é negra, assim como a razão é helênica". A atitude do negro frente ao mundo e aos outros é de abandono e comunhão. Em si o negro é um campo de impressão, que através da sensibilidade descobre o outro. Da mesma forma que nesta interação ele não vê o objeto, mas o sente, "é na sua subjetividade, no limite de seus órgãos sensoriais que ele descobre o outro".
A emoção, como Senghor a define, é o que possibilita o elevar-se a um estágio superior de consciência. A emotividade é o elemento essencial e constitutivo do negro. A partir dela Senghor constrói uma metafísica, trata da religião e demais elementos da cultura negra e particularmente do estilo negro-africano que tem por características peculiares a imagem e o ritmo. Azombo-Menda e Enobo Kosso, citando e comentando Senghor nos esclarecem essas teses.
"As atividades técnicas e as relações sociais refletem a psicologia própria ao negro africano cuja emoção consiste em um 'apoderar-se do ser integral - consciência e corpo - pelo mundo irracional, irrupção do mundo mágico no mundo da determinação'. Enfim, a razão negra se distingue da razão branca porque ela percorre as artérias das coisas para se 'alojar no coração vivo do real': 'A razão européia é analítica por utilização, a razão negra, intuitiva por participação'. Em suma, é da especificidade biológica do negro e de sua sensibilidade que Senghor deduz a conduta, a cultura e a razão negro-africanas".
A afirmação de Senghor que o negro não vê o objeto, mas o sente, deve ser entendida considerando-se o homem negro como um campo sensorial, sendo realizada na sua subjetividade a descoberta do Outro. Neste campo sensorial há um movimento centrífugo do sujeito ao objeto, e neste caso, do eu sobre as ondas do Outro. Esta figura não é de forma alguma uma metáfora, pois como destaca Senghor, a física contemporânea descobriu a energia sob a matéria em forma de ondas e radiações:
"Eis pois o Negro-africano, o qual simpatiza e se identifica, o qual morre para si a fim de renascer no outro. Ele não assimila, ele se assimila. Ele vive com o outro em simbiose, ele conhece o outro... Sujeito e objeto são, aqui, dialeticamente confrontados no ato mesmo do conhecimento, que é ato de amor. 'Eu penso, então eu existo', escrevia Descartes. A observação já foi feita, pensa-se sempre alguma coisa. O Negro-africano poderia dizer: 'Eu sinto o Outro, eu danço o Outro, então eu sou.' Ora, dançar é criar, sobretudo quando a dança é dança do amor. É este, em todo o caso, o melhor modo de conhecimento."
Quanto à razão negra e à branca, Senghor destaca que o negro é um homem da natureza, vivendo tradicionalmente da terra e pela terra, no cosmos e pelo cosmos. Por sua sensibilidade é um sujeito que se relaciona com o objeto sem intermediário, sendo sujeito e objeto simultaneamente. O Negro é "sons, odores, ritmos, formas e cores; eu digo tato antes de ser visão, como o branco europeu. Ele sente mais do que vê: ele se sente. É em si mesmo, em sua carne que ele recebe e experimenta as radiações que emite todo existente-objeto. Movido, ele responde ao apelo e se abandona, indo do sujeito ao objeto, do eu ao Tu sobre as ondas do Outro". O eu não assimila o outro, mas se identifica com o outro. Isto se dá porque a razão negra não é discursiva, mas sintética, não sendo antagonística, mas simpática.
sábado, 8 de dezembro de 2007
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