sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Na África, a grande recuperação demográfica

Jean-Pierre Tuquoi

De origem belga, John May é "o" demógrafo especializado na África do Banco Mundial. Jean-Pierre Guengant é o diretor de pesquisas no Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD em francês). Ele é o responsável do centro do IRD em Uagadugu, no Burkina Faso. Eles fazem um panorama da população da África atual na entrevista a seguir.

Le Monde - A população segue crescendo muito rapidamente na África subsaariana, ao passo que ela está em vias de estabilização em todos os outros lugares no mundo. Será que existe uma exceção africana?

John May - A África é um continente que ainda não iniciou verdadeiramente a última parte da sua transição demográfica: a diminuição da fecundidade - o número de filhos por mulher - ainda não ocorreu. Isso explica este forte crescimento demográfico que deverá prosseguir no decorrer do século 21. Atualmente, a África subsaariana representa 12% da população mundial. Em meados deste século, ela representará 19%, ou seja, cerca de 2 bilhões de habitantes, contra 760 milhões hoje.

Jean-Pierre Guengant - As evoluções demográficas na África se caracterizam por estarem defasadas em relação ao restante do mundo. Historicamente, foram apontados dois choques de maior importância para o continente negro: a escravidão e a colonização. Os especialistas explicam que entre 1500 e 1900, grosso modo, a população da África praticamente não aumentou. Alguns autores avaliam até mesmo que ela diminuiu, ao passo que a população mundial havia se multiplicado por 3,5 e a China, da mesma forma que a Europa, por 5.

Portanto, o peso relativo da África subsaariana em relação à população mundial diminuiu até que uma recuperação fosse iniciada. Esta se revela fenomenal. É importante saber que no século 20, a população do continente negro foi multiplicada por 7. Isso nunca havia acontecido em nenhum outro lugar do mundo! E o processo não acabou. Ela continua crescendo com uma taxa da ordem de 2,5% por ano, ou seja, duas vezes mais rapidamente do que no restante do mundo em desenvolvimento. É também na África subsaariana que são encontrados praticamente todos os países - cerca de trinta - que apresentam uma fecundidade muito importante, com mais de 5 filhos por mulher.

Le Monde - A expansão demográfica obedeceria, portanto, a um fenômeno de recuperação?

Guengant - É provável, mas as evoluções demográficas que têm sido observadas nos últimos trinta anos no mundo nos incitam à prudência. Por muito tempo, os demógrafos acreditaram, por exemplo, que a queda da taxa de mortalidade era um fenômeno irreversível. Ora, a evolução que foi verificada na ex-União Soviética e, é claro, na África subsaariana mostrou que esta tendência não é automática. Em outros lugares, diversas reduções de fecundidade que já estavam bastante avançadas acusaram uma pausa que surpreendeu todo mundo. Ninguém havia previsto tampouco que a fecundidade se manteria de maneira duradoura abaixo de dois filhos por mulher na maioria dos países desenvolvidos.

John May - Está havendo uma recuperação também porque a África subsaariana viveu por muito tempo em meio a um clima de displicência, de desinteresse no que se refere às questões demográficas. Durante os anos 1960-1970, quando os países latino-americanos e asiáticos começavam a conduzir políticas de moderação demográfica, a África se recusava a segui-las por razões ao mesmo tempo culturais e ideológicas. Na Jamaica, o governo lançou o slogan "Dois filhos é melhor do que filhos em excesso"; em Bangladesh, a palavra de ordem era: "Uma família pouco numerosa é uma família feliz". Mas tais campanhas nunca aconteceram na África - nem no Magreb (países do norte do continente), com exceção da Tunísia. No momento em que 60% das mulheres na Ásia e na América Latina utilizam um método moderno de contracepção, menos de 10% o utilizam na África do Oeste e na África Central, e 20% na África do Leste.

Por todo lugar na África, estamos vendo atualmente campanhas de prevenção contra a Aids. Mas muito pouco tem sido feito em relação ao planejamento familiar, isto é, no que diz respeito ao intervalo entre os nascimentos e ao controle do tamanho das famílias. O que explica esta situação de defasagem, com uma transição da fecundidade que está demorando a acontecer. Na África subsaariana, duas pessoas em cada três têm menos de 25 anos. Em nenhum outro lugar do mundo esta situação é encontrada. Na China, as pessoas com menos de 25 anos representam apenas 40% da população, e 30% na Europa.

Le Monde - A fraqueza política dos Estados africanos não explicaria, ao menos em parte, o fracasso das políticas demográficas?

Guengant - Sim, de fato é difícil conduzir políticas fortes em Estados fracos. É por isso que alguns andaram tentando encontrar outros meios de ação, de modo a evitar que as elites conduzam o tema do planejamento familiar. Muitos são aqueles que lidam com a população no terreno, nos mercados...

Le Monde - Muito se fala dos Estados africanos incapazes de conduzir políticas demográficas responsáveis. Um país como o Niger, por exemplo, será que ele pode, sem correr riscos, ver a sua população aumentar indefinidamente?

John May - De fato, a população do Niger poderia passar de 15 milhões atualmente para mais de 50 milhões daqui a cerca de quarenta anos. É sempre possível sonhar que o Niger se tornará um dia um centro financeiro internacional ou um grande pólo tecnológico, mas se excluirmos este tipo de milagre, eu não creio que a situação atual seja sustentável no longo prazo. A superfície do Niger é duas vezes superior à da França, mas 15% das terras apenas são cultiváveis. Além disso, já é um país com excesso de população. O seu governo tomou consciência disso recentemente.

Le Monde - Há uma idéia muito difundida de que a África é um continente muito vasto e sub-povoado.

Guengant - Era verdade no passado; mas deixou de ser. Em 1900, a África contava 4 habitantes por km2. Atualmente, a densidade é de 32 habitantes por km2 para a África subsaariana. Isto é superior à média do conjunto formado pela América Latina e o Caribe (28) e quatro vezes inferior à média do conjunto da Ásia (128), onde as condições geográficas são mais favoráveis para fortes densidades. Se você levar em conta as densidades a partir das superfícies de terras aráveis e cultiváveis, acabará encontrando resultados inacreditáveis: a Mauritânia passa de uma densidade de 3 para 529 habitantes por km2; Senegal, de 48 para 391; a Somália, de 14 para 817...

John May - Eu gostaria de ponderar esta análise dizendo que a África subsaariana permanece sub-povoada em certas regiões, mas que ela está se povoando rápido demais. Ela não está em condições para garantir "os investimentos demográficos" dos quais falava o demógrafo Alfred Sauvy (1898-1990), quer se trate de infra-estruturas, de educação, de saúde... Se você dirige um país onde a população é muito jovem, onde há uma fecundidade forte e uma mortalidade em diminuição, você provavelmente irá enfrentar graves problemas.

Le Monde - Não teríamos desde já uma noção prévia desses problemas com o crescimento urbano na África?

Guengant - Em 1950, não havia nenhuma cidade com mais de 1 milhão de habitantes na África negra. Em 1960, havia uma única cidade com este perfil: Johannesburgo (África do Sul). Atualmente, existem cerca de quarenta. No espaço de meio século, a população urbana se multiplicou por 11, mesmo se as megalópoles africanas permanecem menores que aquelas da América Latina ou da Ásia. Lagos, na Nigéria, é a única cidade africana que conta mais de 10 milhões de habitantes.

A África subsaariana continua sendo a região menos urbanizada no mundo, com uma taxa por volta de 35%. Contudo, até 2030 mais da metade da população viverá em cidades, em três países africanos em cada quatro. As infra-estruturas serão o principal problema. Estudos recentes mostram que a pobreza está aumentando em meio urbano, ao passo que anteriormente, esta era uma característica do meio rural. A cidade deixou de ser aquele elevador social que permitia ter acesso à educação, a um emprego. Ela tornou-se uma fonte de preocupação para o futuro.

Le Monde - No que se refere à questão da Aids, já faz alguns anos, os observadores mencionavam uma possível diminuição da população na África subsaariana, por causa da pandemia. Este discurso ainda estaria valendo na atualidade?

Guengant - Não, mesmo se a África concentra os dois terços das pessoas infectadas no mundo pelo vírus, e mais de 70% dos óbitos devido a esta doença. A taxa de prevalência - o número de pessoas infectadas pelo vírus - revela-se bem mais reduzida do que se previa. Em 2001, os pesquisadores estimavam, com base em consultas nos centros de saúde, que 9% da população africana estava infectada pela Aids. A mais recente avaliação, efetuada em 2006, apurou uma taxa de 6%, ou seja, uma diminuição de um terço. Além disso, uma dezena de países apresenta uma prevalência superior a 10%: cinco países da África Austral e quatro da África do Leste. Há três ou quatro anos, não mais, muitos pensavam que a população da África Austral iria diminuir por causa da pandemia. Atualmente, sabemos que o crescimento demográfico nesta região verá o seu ritmo diminuir, mas nenhum desses países, repito, nenhum desses países deverá ver a sua população diminuir. Não existe nenhum genocídio pela Aids. O impacto demográfico da pandemia foi avaliado de maneira exagerada.

John May - É preciso reconhecer que os programas que foram implantados tiveram uma eficiência real. As campanhas de informação, que colocaram preservativos à disposição das populações, deram bons resultados, mesmo se a ameaça persiste.

Le Monde - Estamos assistindo a uma explosão dos investimentos chineses e indianos na África. Será que os fluxos humanos irão acompanhar esta tendência?

Guengant - Existem 200 milhões de migrantes internacionais em todo o mundo. As mais importantes diásporas são chinesas, indianas e filipinas, mas é nos países do Norte, sobretudo, que elas se instalam, porque é nesses países que a promoção social é mais fácil. As migrações africanas rumo ao Norte, por sua vez, permanecem pouco importante, mesmo se certos discursos xenófobos tentam nos convencer do contrário. Comerciantes chineses se instalam na África subsaariana com mulheres e filhos. Por enquanto, o fenômeno permanece marginal. Em certos países da África do Leste, estão surgindo tensões entre imigrantes e as populações autóctones. É difícil afirmar até que ponto isso irá continuar.

Tradução: Jean-Yves de Neufville
Fonte: Le Monde

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