segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Maláui: colocando um fim à fome, simplesmente ignorando os especialistas

Celia W. Dugger Em Lilongwe, Maláui

Maláui pairou por anos à beira da fome. Após uma desastrosa safra de milho em 2005, quase 5 milhões de seus 13 milhões de habitantes precisaram de ajuda alimentar de emergência.

Mas neste ano, um país que perenemente estendeu o prato de esmola ao mundo está alimentando seus vizinhos famintos. Ele está vendendo mais milho para o Programa Alimentar Mundial da ONU do que qualquer outro país no sul da África e está exportando centenas de milhares de toneladas de milho para o Zimbábue.

No próprio Maláui, a prevalência de crianças com fome aguda caiu acentuadamente. Em outubro, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) transferiu três toneladas de leite em pó, estocados aqui para tratamento de crianças gravemente desnutridas, para Uganda. "Nós não o usaremos!", disse Juan Ortiz-Iruri, o vice-representante do Unicef para Maláui, com júbilo.
Os agricultores explicam a extraordinária recuperação de Maláui - uma com amplas implicações para os métodos de combate à fome na África - com uma palavra: fertilizante.

Ao longo dos últimos 20 anos, o Banco Mundial e alguns países ricos, dos quais Maláui dependia para ajuda, periodicamente pressionavam este pequeno país sem acesso ao mar a aderir às políticas de livre mercado e reduzir ou eliminar os subsídios aos fertilizantes, apesar dos Estados Unidos e Europa subsidiarem enormemente seus próprios agricultores. Mas após a safra de 2005, a pior em uma década, Bingu wa Mutharika, o presidente recém-eleito de Maláui, decidiu seguir o que o Ocidente praticava e não o que ele pregava.

Incomodado com a humilhação de implorar por caridade, ele liderou a readoção e aprofundamento dos subsídios aos fertilizantes, apesar do ceticismo dos Estados Unidos e do Reino Unido. O solo de Maláui, como de grande parte da África sub-Saara, é gravemente esgotado, e muitos, se não a maioria, de seus agricultores são pobres demais para adquirir fertilizantes a preços de mercado.

"Enquanto eu for presidente, eu não quero ir a outras capitais para implorar por comida", declarou Mutharika. Patrick Kabambe, o alto funcionário no Ministério da Agricultura, disse que o presidente informou a seus assessores: "Nosso povo é pobre por carecer de recursos para usar o solo e a água que temos".
O uso bem-sucedido de subsídios pelo país está contribuindo para uma reavaliação mais ampla do papel crucial da agricultura no alívio à pobreza na África, assim como da importância dos investimentos públicos nos elementos básicos de uma economia agrícola: fertilizante, sementes melhoradas, educação ao agricultor, crédito e pesquisa agrícola.

Maláui, uma nação predominantemente rural com cerca do tamanho do Estado da Pensilvânia, é um exemplo extremo do que acontece quando faltam estas coisas. Com o crescimento de sua população e diminuição da posse de terras herdadas, agricultores empobrecidos plantaram cada centímetro do solo. Desesperados em alimentar suas famílias, eles não podiam arcar com o custo de deixar a terra inaproveitada ou com a despesa de fertilizá-la. Com o tempo, seus terrenos esgotados passaram a produzir menos alimentos e os agricultores mergulharam ainda mais na pobreza.

Os líderes de Maláui há muito defendiam subsídios para os fertilizantes, mas aceitavam relutantemente as prescrições dos doadores, frequëntemente moldadas segundo as modas de ajuda externa de Washington, que exibiam fé na liberdade de mercado e antipatia por intervenções do governo.
Nos anos 80 e novamente nos 90, o Banco Mundial pressionou Maláui a eliminar totalmente os subsídios aos fertilizantes. Sua teoria em ambas as ocasiões era de que os agricultores de Maláui deveriam optar pelo plantio de produtos rentáveis para exportação e usar os ganhos para importar alimentos, segundo Jane Harrigan, uma economista da Universidade de Londres.

Em uma avaliação deprimente do desempenho do Banco Mundial na agricultura africana, sua própria auditoria interna concluiu em outubro que não apenas a remoção dos subsídios levou a fertilizantes com preços exorbitantes nos países africanos, mas também que o próprio banco fracassou em reconhecer que a melhoria das condições do solo da África era essencial para melhorar a produção de alimentos.

"Os doadores removeram o papel do governo e os desastres começaram a se somar", disse Jeffrey Sachs, um economista da Universidade de Columbia que fez lobby junto ao Reino Unido e ao Banco Mundial em prol do programa de fertilizantes de Maláui e que defendeu a idéia de que os países ricos devem investir em fertilizantes e sementes para os agricultores africanos.
Aqui em Maláui, os profundos subsídios aos fertilizantes e menores para sementes, somados a boas chuvas, ajudaram os agricultores a obterem safras recordes de milho em 2006 e 2007, segundo estimativas do governo. A produção de milho saltou de 1,2 bilhão de toneladas em 2005 para 2,7 bilhões de toneladas em 2006 e 3,4 bilhões em 2007, informou o governo.

"O resto do mundo é alimentado por causa do uso de boas sementes e fertilizante inorgânico, ponto", disse Stephen Carr, que vive em Maláui desde 1989, quando se aposentou como principal especialista em agricultura do Banco Mundial na África sub-Saara. "Esta tecnologia não era usada em grande parte da África. A única forma de ajudar os agricultores a terem acesso a ela é lhes dando gratuitamente ou por meio de pesados subsídios."

"O governo pegou o touro pelo chifre e fez o que os agricultores queriam", ele disse. Alguns economistas questionaram se a safra recorde de Maláui em 2007 ocorreu devido às boas chuvas ou aos subsídios, mas uma avaliação independente, financiada pela ONU e pelo Reino Unido, apontou que o programa de subsídio foi responsável por grande parte do aumento da produção de milho neste ano.

A safra também ajudou os pobres ao baixar o preço dos alimentos e aumentando os salários dos trabalhadores rurais. Pesquisadores do Imperial College London e da Universidade Estadual de Michigan concluíram em seu relatório preliminar que um programa de subsídios bem conduzido, em uma economia administrada de forma sensível, "tem o potencial de promover o crescimento para fora da faixa de pobreza em que muitos malauianos e a economia malauiana atualmente se encontram".

Os agricultores entrevistados recentemente nas regiões sul e central de Maláui disseram que o fertilizante melhorou enormemente a capacidade deles de encherem a barriga com nsima, o espesso mingau de milho que é a base da alimentação no país.

Na aldeia de Mthungu, Enelesi Chakhaza, uma viúva idosa cujo marido morreu de fome há cinco anos, se gabou de contar com dois carros de boi cheios de milho neste ano, colhidos de sua pequena propriedade, em vez de meio carro.
No ano passado, cerca da metade das famílias de agricultores do país recebeu cupons que lhes davam direito a comprar dois sacos de 50 quilos de fertilizante, o suficiente para quase meio hectare de terra, por cerca de US$ 15 -cerca de um terço do preço de mercado. O governo também lhes deu cupons para sementes suficientes para plantar menos de meio hectare.

Os malauianos ainda são assombrados pela temporada de fome de 2001-2002. Naquele período, um programa já reduzido para dar aos agricultores pobres fertilizante e sementes suficientes para plantar parcos 1.000 metros quadrados de terra foi reduzido ainda mais. Enchentes regionais reduziram ainda mais a safra. Os preços do milho dispararam. E sob o governo no poder na época, toda a reserva de grãos do país foi vendida em conseqüência de má administração e corrupção.

Chakhaza assistiu seu marido morrer de fome naquele período. Ele foi se enfraquecendo enquanto tentavam subsistir com folhas de abóbora. Ele foi um dos muitos que sucumbiram naquele ano, disse K.B. Kakunga, o representante local do Ministério da Agricultura. Ele lembra de mães e crianças implorando por comida à sua porta.

"Eu tinha um pouco de algo, mas não podia ajudar cada uma daquelas pessoas", ele disse. "Foi muito patético, realmente muito patético."
Mas Kakunga se animou ao falar sobre o impacto dos subsídios, que ele disse terem mais que dobrado a produção de milho em sua jurisdição desde 2005.
"É maravilhoso!"

A determinação de Maláui em subsidiar o fertilizante e o resultado de maior produção estão começando a mudar a posição dos doadores, disseram economistas que estudaram a experiência de Maláui.

O Departamento para o Desenvolvimento Internacional britânico contribuiu com US$ 8 milhões para o programa de subsídio no ano passado. Bernabe Sanchez, um economista da agência em Maláui, estimou que o milho adicional produzido devido ao subsídio de US$ 74 milhões valia entre US$ 120 milhões e US$ 140 milhões.

"Foi realmente um bom investimento econômico", ele disse.
Os Estados Unidos, que enviaram US$ 147 milhões em alimentos americanos para Maláui como ajuda de emergência desde 2002, mas apenas US$ 53 milhões para ajudar Maláui a cultivar seu próprio alimento, não forneceram qualquer apoio financeiro ao programa de subsídio, exceto para ajudar a pagar a avaliação dele. Ao longo dos anos, a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) se concentrou em promover o papel do setor privado no fornecimento de fertilizante e semente, e achava que os subsídios minavam tal esforço.

Mas Alan Eastham, o embaixador americano em Maláui, disse em uma recente entrevista que o programa de subsídio funcionou "muito bem", apesar de ter afetado as vendas de fertilizantes comerciais.
"A verdade é que Maláui teve sorte no ano passado", ele disse. "Eles conseguiram o fertilizante enquanto era necessário. A parte da sorte foi que tiveram as chuvas."

E o Banco Mundial agora às vezes apóia o uso temporário de subsídios voltados para os pobres e executados de forma a promover os mercados privados.
Aqui em Maláui, representantes do banco que disseram que geralmente apóiam a política de Maláui, apesar de terem criticado o governo por não ter uma estratégia para eventualmente acabar com os subsídios, questionam se as estimativas de produção de milho de 2007 foram infladas e dizem que ainda há bastante espaço para melhorar a forma como o subsídio é executado.
"A questão é, vamos fazer um trabalho melhor com isto", disse David Rohrbach, um alto economista agrícola do banco.

Apesar da ambivalência dos doadores, os agricultores de Maláui abraçaram os subsídios. E o governo buscou neste ano dar ao seu povo um envolvimento mais direto na distribuição deles.

A aldeia de Chembe se reuniu em uma manhã recente sob os amplos galhos de uma árvore para decidir quem mais precisava de cupons de fertilizante à medida que a estação de plantio se aproximava. Eles só tinham o suficiente para 19 das 53 famílias da aldeia. "Senhoras e senhores, devemos começar com os idosos ou com os órfãos?" perguntou, Samuel Dama, um representante do clã Chembe.
Os homens lideravam a assembléia, mas mulheres sentadas no chão aos pés deles chamavam quase todos os nomes dos mais necessitados, gesticulando para as famílias que criavam crianças que ficaram órfãs devido à Aids ou que cuidavam de idosos desdentados.

Havia mais famílias pobres do que cupons, então as reclamações começaram entre aqueles que sabiam que teriam que esperar pelo próximo ano enquanto os campos de milho fertilizados de seus vizinhos se tornavam verdes.
Sentindo o crescente ressentimento, o chefe da aldeia, Zaudeni Mapila, se levantou. Descalço e vestindo jeans empoeirados e uma jaqueta azul, ele encenou uma pantomima ridícula de maridos enchendo suas calças com milho para vender às escondidas para obter dinheiro para se embebedarem no bar. As mulheres caíram na gargalhada. A tensão passou.

Ele encerrou com um lembrete que espera que diminuirá qualquer ciúme. "Eu não quero que ninguém se queixe", ele disse. "Não sou eu quem escolhe. São vocês." As mulheres cantaram para ele em um coro de reconhecimento, depois voltaram para seus lares e campos.


Fonte: The New York Times

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