De passagem por Brasília para lançar o livro Os da minha rua, jovem escritor africano afirma que a capital de seu país, Luanda, passa por um “terremoto cultural” e conta que angola, em fase de reconstrução, vive agora o choro da cicatrização
Ondjaki, pseudônimo de Ndalu de Almeida, nasceu em Luanda, Angola, há quase 30 anos. Publicou seu primeiro livro, Actu Sanguíneu, com poemas, em 2000. É um artista multimídia. Desenha, fotografa, dirigiu peças de teatro e, recentemente, realizou um documentário, Oxalá cresçam pitangas, sobre Luanda. Defensor entusiasmado de um maior contato entre as culturas de língua portuguesa, Ondjaki acredita que cada país deva manter suas particularidades lingüísticas.
Ele esteve em Brasília, na terça-feira, para lançar sua mais recente obra Os da minha rua, publicada pela Língua Geral. Ondjaki conversou com o Correio e contou sua experiência de crescer num país em conflito, avaliou o impacto da paz na vida dos angolanos e analisou os problemas de reconstrução do país, vitimado por mais de 40 anos de guerra, contra os colonizadores portugueses e os guerrilheiros do FNLA e da Unita. Para ele, Angola vive um terremoto cultural, centralizado em Luanda, a capital, que concentra quase um terço da população do país.
Finalista do Prêmio Portugal Telecom e fanático por basquete, como a maioria dos seus compatriotas (a seleção angolana é a mais forte da África), Ondjaki já se adaptou ao Brasil e até torce para um time de futebol carioca, o Fluminense, uma imposição de sua namorada carioca. A seguir, alguns trechos da entrevista.
CRESCER NUM PAÍS EM GUERRA
“Eu sou daqueles que têm a felicidade de crescer longe da guerra. Sempre digo isso com toda franqueza. Cresci em Luanda, que teve combates apenas durante quatro dias, em 1992. Eu nasci em 1977 e não assisti aos combates de 1975, entre o FNLA, a Unita e o MPLA. A guerra que todo cidadão luandense sofreu é uma guerra colateral: falta d’água, de luz e imensas dificuldades, como aparecimento dos musseques, diretamente relacionados com o êxodo causado pela guerra.
Mas agora há uma coisa interessante: a visão pura, limpa das crianças. Nós não tínhamos tanta consciência disso. Nós ouvíamos as notícias de que o país estava em guerra, a Unita, MPLA, dos sul-africanos, mas nós éramos simples crianças. Para qualquer criança, um fato é um fato normal. Como até esses quatro dias de guerra, na altura eu tinha 14 anos, mas era uma criança, era uma coisa natural. Não foi visto como um dramalhão.
DESCOBERTA E O MEDO DA PAZ
Em quase todos os povos africanos que eu conheço, há uma naturalidade de se lidar com aquilo que aparentemente é dramático. Há uma aceitação muita sábia das coisas dramáticas como parte do destino. Talvez porque esses países sempre estiveram envolvidos em guerras. A guerra não era novidade para nós. A novidade era a paz. Eu vi pessoas assustadas com a paz. Que perguntavam: ‘E agora, como é que vai ser?’ Porque a gente tinha que aprender a viver com a paz. Hoje, em todos os angolanos, há um sorriso coletivo, de espanto, quase de magia, um sorriso infantil, causado por essa coisa de você poder pegar seu carro e ir a qualquer lugar, porque as estradas estão desminadas. Você pode pegar seu carro e andar mil quilômetros, quando antes você fazia apenas 40, 50 quilômetros já com algum risco. Mesmo na estrada Luanda-Benguela, que era relativamente segura, antes de sair você ouvia: ‘A Unita está aqui, a Unita está ali’.
Então há essa redescoberta da circulação.
No outro nível há uma redescoberta familiar, o que não é o meu caso, mas há famílias que ficaram 20 anos sem tomarem contato. Há toda uma estréia emocional neste entorno da paz, que eu penso que é um momento muito bonito. Eu fiz um pequeno documentário sobre Luanda chamado Oxalá cresçam pitangas, que é uma pequena tentativa, sem muitos apoios, mas quem me dera que todas essas emoções relativas à paz estivessem a serem gravadas, pois estamos a ver o renascimento do país. É como se todo o país pudesse chorar, mas é um choro de alívio, é um choro de celebração. Um choro de cicatrização.”
RESSENTIMENTOS E CONCILIAÇÃO
Há ressentimentos naturais. Esses ressentimentos devem estar ligados a quem perdeu um pai na guerra, a quem pisou numa mina, a quem teve uma prima torturada. Há uma camada da população que pode ter dores muito mais violentas, sob o ponto de vista psicológico, do que outras. Mas, no senso comum, há um sentimento de conciliação, há um sentimento de celebração, que deixa pouco espaço para ressentimentos, que, de resto, não é uma coisa típica dos africanos. Angola, felizmente, não é um país que explora o ressentimento.
O BOOM NA CULTURA E NOS ESPORTES
“Há uma crescente produção. Começou um pouco antes do acordo de paz de Luena, em 1995, 996. Agora, o que houve depois da assinatura do acordo, assinado em 2002, foi uma maior distribuição de dinheiros. O dinheiro deixou de estar todo canalizado para a guerra e foi aparecendo em outras áreas. Houve três grandes explosões: a da literatura, o da música e a do desporto. A expansão da música passa por duas vias, uma institucional, há mais apoio, portanto grava-se mais, mas há um boom, que é um fenômeno universal. Com o domínio facilitado das novas tecnologias, a periferia, que são os musseques (favelas), está tudo a gravar. Quem divulga essa música? Não é a rádio, são os próprios candongueiros, os táxis coletivos, que aqui chamam van, um meio de propagação terrível. Depois penetra na rádio. Porque já que está todo mundo a ouvir nos candongueiros, aí a rádio vai e busca. São os chamados meios informais de circulação da informação, antes de chegar ao jornal e a rádio. Em relação ao desporto, além da afirmação do basquete (esporte nacional de Angola), um grande investimento no futebol, conseguiu-se, de uma maneira esforçada, por ativismo desportivo, chegar ao mundial, e a partir daí a afirmação de uma seleção que nunca chegara a lugar algum, e agora, com a paz, é possível fazerem-se esses campeonatos em nível nacional. Antes, só se jogava em províncias onde não havia guerra. A literatura acorda, mas enquanto na música e no desporto há um benefício direto se você fizer um investimento financeiro, a literatura depende de fatores subjetivos, como o talento.”
LITERATURA AFRICANA NO BRASIL
Os nomes que estão a chegar aqui, angolanos e moçambicanos, são nomes de alta qualidade. Não é qualquer coisa. Ou por mérito dos intermediários, ou por mérito dos editores brasileiros. Os autores têm boa crítica. Não estou a falar de mim. Estou a falar do Luandino, estou a falar do Rui Eduardo Carvalho, Pepetela, Agualusa e de Mia Couto, um dos nomes maiores da literatura universal. Ainda faltam chegar nomes como Henrique Abranches, João Maiomona, José Luiz Mendonça. A literatura angolana está presa à Luanda, que tem nesse momento, 6 milhões de habitantes. Configura quase um terço da população do país. Quase todos os produtores culturais estão em Luanda. Mesmo um Jacques Arlindo dos Santos, nascido no interior, está a 40 anos em Luanda. Ou ele escreve sobre Luanda, ou vai escrever um livro de memórias. Luanda é um terremoto cultural, e não estou a falar de festas e funerais, que são dois eventos muito interessantes na cidade. Em cada canto de Luanda há gente a contar histórias interessantes, vendedores de rua, condutores de táxi, empregadas, funcionários bancários, têm uma história a contar ou recontar. Luanda é uma cidade teatral. Ninguém fica imune a essa teatralidade em uma cidade onde têm milhares de pessoas a dizer: ‘Contem minha história’. O luandense é um cidadão extremamente apaixonado por sua cidade, apesar de ela estar suja e destruída. O que é uma forma de amor extremamente profunda, porque é mais fácil amar algo limpo do que algo que está sujo e destruído.”
CRESCIMENTO ECONÔMICO
“O crescimento econômico realmente é visível, mas não é proporcional à distribuição da riqueza. Não estou com isso a querer dizer que é um fenômeno exclusivo nosso. Nós sabemos que a má distribuição da riqueza é um problema mundial. Eu gostaria que a gente pudesse distribuir um pouco mais essa explosão de riqueza. Eu digo sinceramente que muita coisa está a ser feita em termos de benefícios sociais. Tenho andado de carro por Angola e visto muitos hospitais novos, muitas escolas novas, muitos postos de saúde novos. Portanto, há sim um certo investimento, mas penso que esse investimento tinha que ser mais forte, mais cuidadoso e mais eficaz. Detectar quais são as áreas que tem prioridade.
É óbvio que há um boom na construção civil, mas como ficam os problemas de nutrição e de certas epidemias que aparecem de repente? Tivemos Ébola, tivemos Marburg? Em termos de Aids, não estamos tão mal como nossos vizinhos, o Congo e a África do Sul, mas parece que nossos números, mesmo assim, são assustadores, mas eu não tenho esses dados. Eu penso que num país de recursos consideráveis, como nós temos, não é concebível que ainda falte luz, inclusive em Luanda, e água. O que é ridículo, pois nós somos um dos países com maiores recursos hídricos por quilômetro quadrado. Há províncias banhadas por sete, oito rios. Os caboverdianos, que só se abastecem com água de chuva, ficam fascinados com isso. Quando vêem uma pequena fonte natural ficam a olhar, olhar, olhar. Uma vez vi um caboverdiano hipnotizado por uma pequena queda d’água, que nem sequer era uma queda d’água, era um chuveiro. E a gente a buzinar no carro, e ele fascinado com um fio d’água. E ele disse: ‘Sabe o que eu estava a olhar? É que aquele fio d’água nunca pára’. O que lhe fascinava não era a quantidade. Era o fato daquela água ser imparável.”
REFORMA ORTOGRÁFICA
“Um dia ainda vou ser que nem Manoel de Barros que só faz entrevista por e-mail. É mais seguro, porque não deturpam. Aqui no Brasil já deturparam bastante. Não percebem (entendem) bem e deturpam. A ponto de eu falar uma coisa e aparecer outra. Ou então não entendem e começam a abrasileirar o discurso. Ora, eu não falo brasileiro, falo português de Angola, não gosto de ver as minhas citações abrasileiradas porque não falei assim. Tiram os artigos, põem gerúndios. Sou completamente a favor da particularidade cultural dos povos. O que não tem nada a ver com todos os outros laços que nos unem, que são muito bonitos. Mas também é bonito que cada um fale como fala. Não vamos todos falar igual. Nem todos falar como os portugueses, que não acho feio, nem todos falar como os brasileiros, só porque são mais. Que também não acho feio. Por isso não concordo quando o Agualusa argumenta: ‘Ah, mas os brasileiros são 180 milhões’. Podiam ser 500 milhões. Em Cabo Verde são 400 mil e falam como eles quiserem. Essa conversa tem passado tanto lá nos encontros que tivemos agora, do Acordo Ortográfico. Quem concorda, quem não concorda. E eu sempre argumento: Não posso concordar ou não concordar com uma coisa que eu não conheço. Nunca ninguém me explicou.
FONTE: Correio Braziliense
Ondjaki, pseudônimo de Ndalu de Almeida, nasceu em Luanda, Angola, há quase 30 anos. Publicou seu primeiro livro, Actu Sanguíneu, com poemas, em 2000. É um artista multimídia. Desenha, fotografa, dirigiu peças de teatro e, recentemente, realizou um documentário, Oxalá cresçam pitangas, sobre Luanda. Defensor entusiasmado de um maior contato entre as culturas de língua portuguesa, Ondjaki acredita que cada país deva manter suas particularidades lingüísticas.
Ele esteve em Brasília, na terça-feira, para lançar sua mais recente obra Os da minha rua, publicada pela Língua Geral. Ondjaki conversou com o Correio e contou sua experiência de crescer num país em conflito, avaliou o impacto da paz na vida dos angolanos e analisou os problemas de reconstrução do país, vitimado por mais de 40 anos de guerra, contra os colonizadores portugueses e os guerrilheiros do FNLA e da Unita. Para ele, Angola vive um terremoto cultural, centralizado em Luanda, a capital, que concentra quase um terço da população do país.
Finalista do Prêmio Portugal Telecom e fanático por basquete, como a maioria dos seus compatriotas (a seleção angolana é a mais forte da África), Ondjaki já se adaptou ao Brasil e até torce para um time de futebol carioca, o Fluminense, uma imposição de sua namorada carioca. A seguir, alguns trechos da entrevista.
CRESCER NUM PAÍS EM GUERRA
“Eu sou daqueles que têm a felicidade de crescer longe da guerra. Sempre digo isso com toda franqueza. Cresci em Luanda, que teve combates apenas durante quatro dias, em 1992. Eu nasci em 1977 e não assisti aos combates de 1975, entre o FNLA, a Unita e o MPLA. A guerra que todo cidadão luandense sofreu é uma guerra colateral: falta d’água, de luz e imensas dificuldades, como aparecimento dos musseques, diretamente relacionados com o êxodo causado pela guerra.
Mas agora há uma coisa interessante: a visão pura, limpa das crianças. Nós não tínhamos tanta consciência disso. Nós ouvíamos as notícias de que o país estava em guerra, a Unita, MPLA, dos sul-africanos, mas nós éramos simples crianças. Para qualquer criança, um fato é um fato normal. Como até esses quatro dias de guerra, na altura eu tinha 14 anos, mas era uma criança, era uma coisa natural. Não foi visto como um dramalhão.
DESCOBERTA E O MEDO DA PAZ
Em quase todos os povos africanos que eu conheço, há uma naturalidade de se lidar com aquilo que aparentemente é dramático. Há uma aceitação muita sábia das coisas dramáticas como parte do destino. Talvez porque esses países sempre estiveram envolvidos em guerras. A guerra não era novidade para nós. A novidade era a paz. Eu vi pessoas assustadas com a paz. Que perguntavam: ‘E agora, como é que vai ser?’ Porque a gente tinha que aprender a viver com a paz. Hoje, em todos os angolanos, há um sorriso coletivo, de espanto, quase de magia, um sorriso infantil, causado por essa coisa de você poder pegar seu carro e ir a qualquer lugar, porque as estradas estão desminadas. Você pode pegar seu carro e andar mil quilômetros, quando antes você fazia apenas 40, 50 quilômetros já com algum risco. Mesmo na estrada Luanda-Benguela, que era relativamente segura, antes de sair você ouvia: ‘A Unita está aqui, a Unita está ali’.
Então há essa redescoberta da circulação.
No outro nível há uma redescoberta familiar, o que não é o meu caso, mas há famílias que ficaram 20 anos sem tomarem contato. Há toda uma estréia emocional neste entorno da paz, que eu penso que é um momento muito bonito. Eu fiz um pequeno documentário sobre Luanda chamado Oxalá cresçam pitangas, que é uma pequena tentativa, sem muitos apoios, mas quem me dera que todas essas emoções relativas à paz estivessem a serem gravadas, pois estamos a ver o renascimento do país. É como se todo o país pudesse chorar, mas é um choro de alívio, é um choro de celebração. Um choro de cicatrização.”
RESSENTIMENTOS E CONCILIAÇÃO
Há ressentimentos naturais. Esses ressentimentos devem estar ligados a quem perdeu um pai na guerra, a quem pisou numa mina, a quem teve uma prima torturada. Há uma camada da população que pode ter dores muito mais violentas, sob o ponto de vista psicológico, do que outras. Mas, no senso comum, há um sentimento de conciliação, há um sentimento de celebração, que deixa pouco espaço para ressentimentos, que, de resto, não é uma coisa típica dos africanos. Angola, felizmente, não é um país que explora o ressentimento.
O BOOM NA CULTURA E NOS ESPORTES
“Há uma crescente produção. Começou um pouco antes do acordo de paz de Luena, em 1995, 996. Agora, o que houve depois da assinatura do acordo, assinado em 2002, foi uma maior distribuição de dinheiros. O dinheiro deixou de estar todo canalizado para a guerra e foi aparecendo em outras áreas. Houve três grandes explosões: a da literatura, o da música e a do desporto. A expansão da música passa por duas vias, uma institucional, há mais apoio, portanto grava-se mais, mas há um boom, que é um fenômeno universal. Com o domínio facilitado das novas tecnologias, a periferia, que são os musseques (favelas), está tudo a gravar. Quem divulga essa música? Não é a rádio, são os próprios candongueiros, os táxis coletivos, que aqui chamam van, um meio de propagação terrível. Depois penetra na rádio. Porque já que está todo mundo a ouvir nos candongueiros, aí a rádio vai e busca. São os chamados meios informais de circulação da informação, antes de chegar ao jornal e a rádio. Em relação ao desporto, além da afirmação do basquete (esporte nacional de Angola), um grande investimento no futebol, conseguiu-se, de uma maneira esforçada, por ativismo desportivo, chegar ao mundial, e a partir daí a afirmação de uma seleção que nunca chegara a lugar algum, e agora, com a paz, é possível fazerem-se esses campeonatos em nível nacional. Antes, só se jogava em províncias onde não havia guerra. A literatura acorda, mas enquanto na música e no desporto há um benefício direto se você fizer um investimento financeiro, a literatura depende de fatores subjetivos, como o talento.”
LITERATURA AFRICANA NO BRASIL
Os nomes que estão a chegar aqui, angolanos e moçambicanos, são nomes de alta qualidade. Não é qualquer coisa. Ou por mérito dos intermediários, ou por mérito dos editores brasileiros. Os autores têm boa crítica. Não estou a falar de mim. Estou a falar do Luandino, estou a falar do Rui Eduardo Carvalho, Pepetela, Agualusa e de Mia Couto, um dos nomes maiores da literatura universal. Ainda faltam chegar nomes como Henrique Abranches, João Maiomona, José Luiz Mendonça. A literatura angolana está presa à Luanda, que tem nesse momento, 6 milhões de habitantes. Configura quase um terço da população do país. Quase todos os produtores culturais estão em Luanda. Mesmo um Jacques Arlindo dos Santos, nascido no interior, está a 40 anos em Luanda. Ou ele escreve sobre Luanda, ou vai escrever um livro de memórias. Luanda é um terremoto cultural, e não estou a falar de festas e funerais, que são dois eventos muito interessantes na cidade. Em cada canto de Luanda há gente a contar histórias interessantes, vendedores de rua, condutores de táxi, empregadas, funcionários bancários, têm uma história a contar ou recontar. Luanda é uma cidade teatral. Ninguém fica imune a essa teatralidade em uma cidade onde têm milhares de pessoas a dizer: ‘Contem minha história’. O luandense é um cidadão extremamente apaixonado por sua cidade, apesar de ela estar suja e destruída. O que é uma forma de amor extremamente profunda, porque é mais fácil amar algo limpo do que algo que está sujo e destruído.”
CRESCIMENTO ECONÔMICO
“O crescimento econômico realmente é visível, mas não é proporcional à distribuição da riqueza. Não estou com isso a querer dizer que é um fenômeno exclusivo nosso. Nós sabemos que a má distribuição da riqueza é um problema mundial. Eu gostaria que a gente pudesse distribuir um pouco mais essa explosão de riqueza. Eu digo sinceramente que muita coisa está a ser feita em termos de benefícios sociais. Tenho andado de carro por Angola e visto muitos hospitais novos, muitas escolas novas, muitos postos de saúde novos. Portanto, há sim um certo investimento, mas penso que esse investimento tinha que ser mais forte, mais cuidadoso e mais eficaz. Detectar quais são as áreas que tem prioridade.
É óbvio que há um boom na construção civil, mas como ficam os problemas de nutrição e de certas epidemias que aparecem de repente? Tivemos Ébola, tivemos Marburg? Em termos de Aids, não estamos tão mal como nossos vizinhos, o Congo e a África do Sul, mas parece que nossos números, mesmo assim, são assustadores, mas eu não tenho esses dados. Eu penso que num país de recursos consideráveis, como nós temos, não é concebível que ainda falte luz, inclusive em Luanda, e água. O que é ridículo, pois nós somos um dos países com maiores recursos hídricos por quilômetro quadrado. Há províncias banhadas por sete, oito rios. Os caboverdianos, que só se abastecem com água de chuva, ficam fascinados com isso. Quando vêem uma pequena fonte natural ficam a olhar, olhar, olhar. Uma vez vi um caboverdiano hipnotizado por uma pequena queda d’água, que nem sequer era uma queda d’água, era um chuveiro. E a gente a buzinar no carro, e ele fascinado com um fio d’água. E ele disse: ‘Sabe o que eu estava a olhar? É que aquele fio d’água nunca pára’. O que lhe fascinava não era a quantidade. Era o fato daquela água ser imparável.”
REFORMA ORTOGRÁFICA
“Um dia ainda vou ser que nem Manoel de Barros que só faz entrevista por e-mail. É mais seguro, porque não deturpam. Aqui no Brasil já deturparam bastante. Não percebem (entendem) bem e deturpam. A ponto de eu falar uma coisa e aparecer outra. Ou então não entendem e começam a abrasileirar o discurso. Ora, eu não falo brasileiro, falo português de Angola, não gosto de ver as minhas citações abrasileiradas porque não falei assim. Tiram os artigos, põem gerúndios. Sou completamente a favor da particularidade cultural dos povos. O que não tem nada a ver com todos os outros laços que nos unem, que são muito bonitos. Mas também é bonito que cada um fale como fala. Não vamos todos falar igual. Nem todos falar como os portugueses, que não acho feio, nem todos falar como os brasileiros, só porque são mais. Que também não acho feio. Por isso não concordo quando o Agualusa argumenta: ‘Ah, mas os brasileiros são 180 milhões’. Podiam ser 500 milhões. Em Cabo Verde são 400 mil e falam como eles quiserem. Essa conversa tem passado tanto lá nos encontros que tivemos agora, do Acordo Ortográfico. Quem concorda, quem não concorda. E eu sempre argumento: Não posso concordar ou não concordar com uma coisa que eu não conheço. Nunca ninguém me explicou.
FONTE: Correio Braziliense
2 comentários:
Sou fã do ONDJAKI, acho que li quase tudo o que saiu dele, fiquei muito contente por encontrá-lo aqui. Para mim, não era necessário qualquer acordo ortográfico - até aqui temo-nos entendido todos, ou não? mesmo com as dturpações, que não vão desaparecer com o acordo.
Olá, me chamo Duda e estou num projeto de documental sobre Angola e gostaria de saber se vc pode me passar o contato do Ondjaki.
Meu e-mail é maria.farianogueira@gmail.com
Muito obrigada,
duda.
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