sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Teatro Experimental do Negro: a vanguarda política

Idealizado, fundado e dirigido por Abdias Nascimento, o Teatro Experimental do Negro tem como objetivo a valorização do negro no teatro e a criação de uma nova dramaturgia. Contemporâneo de Os Comediantes, companhia com que realiza intercâmbios, o TEN atua no nascimento do teatro moderno, priorizando seu projeto artístico em detrimento do gosto da platéia e, portanto, da profissionalização.

O projeto engloba o trabalho pela cidadania do ator, por meio da conscientização e também da alfabetização do elenco, recrutado entre operários, empregadas domésticas, favelados sem profissão definida e modestos funcionários públicos.

A companhia iniciou suas atividades em 1944, colaborando com o Teatro do Estudante do Brasil, na encenação da peça Palmares, de Stela Leonardos. Quando decide empreender um espetáculo próprio constata que não há, na dramaturgia brasileira, textos que sirvam aos seus objetivos. Abdias do Nascimento descobre em O Imperador Jones, de Eugene O'Neill, o retrato mais aproximado sobre a situação do negro após a abolição da escravatura. O autor cede gratuitamente os direitos e o grupo ensaia durante seis meses, tendo aulas de interpretação com o professor Ironildes Rodrigues em salas da União Nacional dos Estudantes.

O espetáculo, dirigido por Abdias do Nascimento, estréia em maio de 1945 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e obtém boa receptividade, com elogios ao protagonista, Aguinaldo Camargo.
O TEN procura estimular a criação de novos textos, que sirvam aos seus propósitos. Sua diretriz é a temática ligada à situação do negro. A falta de resposta à altura de suas expectativas faz Abdias do Nascimento encenar outro texto de Eugene O'Neill, Todos os Filhos de Deus Têm Asas, com a participação no elenco da atriz Ruth de Souza.

A primeira resposta à demanda dramatúrgica da companhia é o texto O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso, encenado em 1947, com cenários do negro Tomás Santa Rosa, e protagonizada por Ruth de Souza e Aguinaldo Camargo. Ainda em 1947, participam de Terras do Sem Fim, de Jorge Amado, adaptação de Graça Mello, com direção de Zigmunt Turkov, montagem em colaboração com Os Comediantes.

Em 1949, é a vez de Filhos de Santo, de José de Morais Pinho, encenado por Abdias no Teatro Regina, novamente com cenários de Tomás Santa Rosa, outro texto selecionado entre aqueles escritos especialmente para o TEN. Contendo muitos elementos da cultura religiosa negra e pinceladas de crítica social, a peça se baseia em uma situação maniqueísta em que uma jovem é enfeitiçada por um pai-de-santo vilão, que a rouba de seu amado.

Em 1950, o TEN estréia Aruanda, de Joaquim Ribeiro, um dos poucos textos bem-sucedidos do repertório lançado pela companhia. Trata-se de uma lenda desenvolvida com mistério e sensualidade, sobre o amor entre Rosa Mulata e o Deus Gangazuma, com quem ela se encontra por meio de seu marido, que recebe o espírito do Deus. Nesse texto, a cultura e a religião afro-brasileiras entram na história como contexto fundamental, mas não como tema. Embora aponte falhas estruturais na dramaturgia, o crítico Sábato Magaldi considera que a lenda "é um episódio de crença negra dos mais felizes proporcionados pela imaginação primitiva" e que traz "uma história de amor e ciúme de incontestáveis riquezas".

Abdias do Nascimento escreve Sortilégio - Mistério Negro para o TEN, encenada por Léo Jusi no Teatro Municipal, em 1957. Baseada numa história de amor que envolve um negro e duas mulheres, uma negra outra branca, a peça, cheia de elementos não realistas como aparições, flash-backs e personagens que simbolizam o inconsciente coletivo, aborda a tomada de consciência do protagonista sobre sua alienação no mundo dos brancos. No mesmo ano, estréia O Mulato, de Langhston Hughes, que se apresenta também em São Paulo, embora sem repercussão. A companhia se apresenta também na Escola de Teatro Martins Pena, onde estréia, em 1961, sob a direção de Aylton de Menezes, O Castigo de Oxalá, de Romeu Cruzoé, romancista e dramaturgo pernambucano.

Embora tenha como ponto de partida uma premissa ideológica, o TEN não se volta para um teatro popular nem para a popularização de sua platéia. Apresentando-se muitas vezes no Teatro Municipal, para uma platéia composta por brancos, seu diretor afirma não querer fazer restrições raciais ao público nem ao escritor, o que significa aceitar o fato de que os dramaturgos e os espectadores pertenciam à classe da elite branca carioca.

Abdias do Nascimento procura fazer o TEN ultrapassar os limites da função artística e empreender também uma ação social: cria um concurso de beleza para negras e um concurso de artes plásticas com o tema Cristo Negro. Em 1945, promove uma Convenção Nacional do Negro e, em 1950, o 1º Congresso do Negro Brasileiro. Em 1955, realiza a Semana do Negro. Edita o jornal Quilombo.

As atividades do TEN incentivam a criação de iniciativas semelhantes. No Rio de Janeiro, em 1950, Solano Trindade funda o Teatro Popular Brasileiro; em São Paulo, onde os grupos negros encontram na dramaturgia norte-americana uma fonte para suas encenações experimentais; Geraldo Campos de Oliveira funda também um Teatro Experimental do Negro, que se mantém em atividade durante mais de quinze anos e monta, entre outros, O Logro, de Augusto Boal, 1953; O Mulato, de Langhston Hughes, 1957; Laio Se Matou, de Augusto Boal, direção de Raul Martins, 1958; O Emparedado, de Tasso da Silveira; e Sucata, de Milton Gonçalves, ambos em 1961.

Por duas vezes o TEN é impedido de participar de festivais negros internacionais pelo próprio governo brasileiro. Segundo a historiadora Miriam Garcia Mendes, no entanto, esses fatos não devem ser compreendidos apenas como fruto da discriminação racial: "... os movimentos de vanguarda, e o TEN era um deles, sempre enfrentaram grandes dificuldades, não só por falta de apoio oficial, como pela natural reação do público (...) habituado às comédias de costumes inconseqüentes ou dramas convencionais".

O Teatro Experimental do Negro nunca atingiu a importância social que pretendia em seu tempo. Mas, em termos de história do teatro, significou uma iniciativa pioneira, que mobilizou a produção de novos textos, propiciou o surgimento de novos atores e grupos e semeou uma discussão que permaneceria em aberto: a questão da ausência do negro na dramaturgia e nos palcos de um país mestiço, de maioria negra.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu nome é Débora, sou atriz, negra, e em Santo André é muito difícil, ter espetáculos, que chamem artitas negras(oS), para participar, gostaria de poder participar de quaquer coisa que fale do negro.
Espero respostas debao007@bol.com.br
Obrigada, e adorei o seu blog